Título: China resgata passado milionário
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Fonte: O Estado de São Paulo, 16/04/2006, Internacional, p. A18

O crescimento econômico chinês nos últimos 25 anos é um dos fenômenos de nossa época e continuará ao menos até meados do século.

O que estamos agora testemunhando na China - e cada vez mais na Índia - é um retorno ao passado. Desde o começo da chamada "era comum" até o início do século 19, a China e a Índia eram as maiores economias do mundo - até serem progressivamente arruinadas pelo mercantilismo colonial e suplantadas pela revolução industrial, e mais tarde, pela ascensão dos Estados Unidos. Em 1800, a China gerou 25% da produção industrial do mundo. Em 1975, essa proporção tinha caído para 1,5%.

Qual é precisamente a posição da China em 2006? A seguir, alguns fatos e números:

A economia da China tem se expandido a um ritmo médio de 9% ao ano nos últimos 25 anos. Nesse ritmo de crescimento, uma economia dobra de tamanho a cada sete ou oito anos. Conseqüentemente, a economia da China é hoje cerca de oito vezes maior do que era em 1980. Em contraposição, embora a Austrália tenha tido uma das economias de crescimento mais acelerado entre os países desenvolvidos mais ou menos nesse mesmo período, nossa economia tem hoje 2 vezes a 2 vezes e meia o tamanho que tinha em 1980.

Nos últimos anos, a China tem sido o principal motor de crescimento da economia mundial, contribuindo com cerca de 40% do crescimento total. Desde 2000, sua contribuição para o crescimento econômico global tem sido quase o dobro das três economias emergentes mais próximas juntas (Índia, Brasil e Rússia).

Em tamanho absoluto, a China é agora a quarta maior economia do mundo, depois de Estados Unidos, Japão e Alemanha. E a expectativa é que ultrapasse a Alemanha já na próxima década.

Números do Fundo Monetário Internacional indicam que a economia da China é agora dois terços do tamanho da economia dos EUA (e 12 vezes maior que a economia da Austrália). O FMI previu que a China será a maior economia mundial dentro de aproximadamente uma década, logo à frente dos Estados Unidos, com a Índia num distante terceiro lugar.

No ano passado, a China alcançou o Japão como o maior nível de reservas cambiais estrangeiras. De 2002 para cá, suas reservas mais do que triplicaram como resultado de florescente superávit comercial, maciços investimentos externos diretos e a especulação sobre a revalorização do yuan.

A China é agora o país do mundo que mais recebe investimentos diretos estrangeiros por ano. Apenas Xangai atraiu US$ 15 bilhões no ano passado. Com 20 milhões de habitantes, tem a população da Austrália, mas ainda assim têm menos de 1/50 da população chinesa.

Quase 450 empresa das 500 maiores da revista Fortune têm investido na China e muitas delas estabeleceram quartéis-generais regionais lá.

Ao mesmo tempo, a China está se transformando numa importante investidora no exterior. Isso se deve em parte às maciças reservas cambiais em moeda estrangeira e à necessidade de alocá-las de forma inteligente.

Deve-se também ao que o país vê como a necessidade estratégica de fortalecer suas fontes de suprimento de energia e recursos minerais por meio da integração vertical. Isso explica, por exemplo, os lances oferecidos para aquisição - aceitos e rejeitados - nos últimos anos. Sem dúvida, essa tendência deve persistir.

A China é um enorme consumidor de minerais e recursos energéticos, para atender a seus requisitos de crescimento econômico. Há 20 anos, a China era a maior exportadora de petróleo do Leste Asiático. Hoje, é a segunda maior importadora de petróleo do planeta.

Suas importações de minério de ferro têm aumentado 30% ao ano nos últimos 5 anos, respondendo por 85% do aumento da demanda global total. No ano passado, a China produziu mais aço (300 milhões de toneladas) que os Estados Unidos, Alemanha e Japão juntos.

As exportações da China têm crescido a uma média anual de 13% no decorrer dos últimos 25 anos e não menos de 18% ao ano desde 1991. O crescimento das importações também tem sido muito alto.

Como resultado, a participação da China no mercado mundial deu um salto de 1,1% em 1991 para quase 7% agora - e para mais de 10,5% se o comércio dentro da União Européia e dentro do Tratado de Livre Comércio da América do Norte (EUA, Canadá e México), o Nafta, for excluído.

Ao mesmo tempo, porém, não devemos esquecer que a China ainda é uma nação em desenvolvimento, muito pobre. As estatísticas mais recentes mostram que sua renda per capita ano passado foi de apenas US$ 1.740, o que coloca o país em 100.º no mundo em termos de renda per capita. Isso representa uma melhoria significativa em relação ao 140º lugar que ocupava em meados da década de 1980. Mas ainda é óbvio que há um longo caminho a ser percorrido até que o país possa ser considerado integrante das fileiras dos países desenvolvidos ricos.

Porém, essa média mascara as amplas diferenças de receita na China. Dois terços da população chinesa, perfazendo cerca de 800 milhões de pessoas, habitam áreas rurais pobres. A maioria vive da agricultura de subsistência e existem 200 milhões de chineses que sobrevivem com menos de US$ 1 por dia.

O que a emergência da China significou para a Austrália? A mudança mais óbvia e mais conhecida, é claro, é que a Austrália adquiriu um novo parceiro comercial.

Nosso comércio com a China quadruplicou na década passada e tanto as exportações como as importações cresceram acentuadamente. A China é agora nosso segundo maior parceiro comercial.

O comércio total de mercadorias no último ano financeiro (2004-5) entre nossos dois países foi de US$ 32,8 bilhões. Nossas exportações para China totalizaram US$ 13 bilhões, 10,2% do nossas exportações totais de mercadorias. Nossas importações da China totalizaram US$ 19, 8 bilhões, 13,3% do nosso total de importações de mercadorias. Conseqüentemente, tivemos um déficit comercial relativo a mercadorias com a China de US$ 6,8 bilhões.

As importações da China nos últimos 5 anos vêm crescendo mais rapidamente e, desde 2000, nosso déficit comercial com a China mais do que dobrou.

As exportação da China para a Austrália são na sua esmagadora maioria de produtos manufaturados (principalmente roupas, computadores, equipamento de telecomunicações, jogos e equipamentos esportivos). Sua fabricação depende fortemente das importações de energia e recursos naturais - dos quais a Austrália é uma grande fornecedora.

Temos um pequeno superávit no comércio de serviços com a China, mas o tamanho total das nossas exportações e importações de serviços é pequeno comparado com o comércio de mercadorias.

Embora nossa relação comercial com a China seja muito mais importante para nós do que é para a China, de jeito nenhum somos sem importância para a China. Somos o 11º maior parceiro comercial de mercadorias da China, seu 13º maior mercado exportador e sua 11º maior fonte de importações.

Há um grau razoável de investimento diretos de duas vias entre a China e a Austrália, mas é pequeno em comparação com algumas de nossas fontes tradicionais de investimentos externos e destinos de investimentos australianos no exterior. Por exemplo, em 2004, os investimentos chineses na Austrália totalizaram US$ 2 bilhões - ocupando o 17. º lugar entre os destinos de investimento - enquanto os investimento australianos na China foram de US$ 1,2 bilhão - nosso 22º maior destino de investimentos.

O assombroso crescimento da China tem sido bom para a China e bom para o mundo, mas será que tem sido bom para a Austrália? A resposta é sim.

Estamos bem posicionados nas nossas indústrias tradicionais - recursos, agricultura, educação, turismo e outros serviços profissionais incluindo financeiro, jurídico, contábil, construção, arquitetura, telecomunicações e transporte - para nos beneficiarmos do crescimento contínuo da China. Um acordo de livre comércio com a China será importante em muitas dessas áreas.

Mas precisamos estar alerta para gerar oportunidades em outras áreas de crescimento em setores novos como biociências, tecnologia da informação e das comunicações e soluções para o meio ambiente. Será um mercado muito competitivo.