Título: China traz Las Vegas para Macau
Autor: Peter S. Goodman
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/04/2006, Internacional, p. A17

Atrás da crescente riqueza chinesa, companhias que construíram os grandes cassinos americanos investem bilhões

Anos atrás, Raymond Wong depositava suas fichas sobre o feltro gasto das mesas de bacará do cassino Lisboa, um espaço sem janelas que ilustrava a decadência deste enclave do jogo no sul da China. A fumaça dos cigarros pairava sobre as multidões que disputavam lugares às mesas. Prostitutas caçavam fregueses nos corredores.

Já numa noite recente, Wong foi ao cassino Sands Macao, um prédio com fachada de vidro construído pela Las Vegas Sands Corp., mais conhecida pelo Hotel Venetian, no Estado americano de Nevada. Com sete restaurantes, apresentações de cabaré ao vivo e um clube privativo completo, com adega e spa, o Sands, empreendimento de US$ 265 milhões, tornou-se um símbolo deste paraíso asiático do jogo, que busca uma transformação agressiva para aproveitar a crescente riqueza da China. "O ar é melhor e a mobília é toda nova", disse Wong, de 55 anos, que faz a travessia de Hong Kong a Macau uma ou duas vezes por mês. "É algo novo."

Motivadas pelo número crescente de visitantes vindos da China, o país mais populoso do mundo, as mesmas companhias que construíram vários dos grandes cassinos de Las Vegas estão investindo bilhões de dólares nesta ex-colônia portuguesa. Elas concorrem para transformar Macau, que já foi sinônimo de prostituição, lavagem de dinheiro e jogatina, no que alguns chamam de Las Vegas da Ásia - um centro de feiras comerciais, restaurantes, compras e entretenimento, no qual o jogo seja apenas uma peça de uma pomposa experiência de refúgio para as massas.

"O que fizemos foi apenas construir a antítese do que estava aqui antes", disse Frank McFadden, diretor de operações da Venetian Macao Ltd., que opera o Sands, sentado num sofá de veludo na sala de charutos do Paiza Club, só para sócios. "É uma experiência comprovada que está sendo aplicada num mercado virgem."

Mas o mercado já é grande. Segundo o governo local, a receita de Macau com o jogo quase triplicou de 2000 a 2005 - de US$ 2 bilhões para US$ 5,8 bilhões -, quase alcançando o centro de apostas mais lucrativo do mundo, a Las Vegas Strip, que no ano passado recebeu US$ 6 bilhões, de acordo com o Departamento de Controle do Jogo de Nevada.

O boom do jogo inspirou planos semelhantes em Cingapura. Grandes companhias voltam-se também a este país em busca de projetos de grande escala. "A propensão do povo asiático ao jogo é impressionante", afirmou Terry Lanni, executivo-chefe da MGM Mirage, que planeja inaugurar o MGM Grand Macao, de US$ 1,1 bilhão e 600 quartos, no fim de 2007. "As pessoas fazem empréstimos com agiotas e apostam o dinheiro."

Aqui em Macau, os investidores de fora apostam que podem competir com o império de Stanley Ho, o magnata de 84 anos que manteve um monopólio do jogo no território por quatro décadas, antes que o governo local abrisse as portas para empresas estrangeiras, em 2001. Ho e sua família ainda operam 15 dos 18 cassinos de Macau.

Do outro lado da rua, diante do Lisboa de Ho - ainda a propriedade mais lucrativa da área -, a Wynn Resorts, liderada pelo ícone de Las Vegas Stephen A. Wynn, está erguendo um hotel e cassino de US$ 1,2 bilhão e 600 quartos, programado para abrir no início de setembro. A casa incluirá 200 mesas de jogo, 340 caça-níqueis, um salão para 700 pessoas e 2.600 m2 de espaço para lojas. "Existe um enorme mercado inexplorado", disse o presidente da Wynn Resorts (Macao) SA, Grant R. Bowie. "Só precisamos construir um local de destino."

Ao sul, em 500 acres de terreno entre as ilhas de Coloane e Taipa, a Sands faz a maior aposta de todas - um complexo de US$ 4,5 bilhões com hotéis, cassinos e espaços de reunião conhecido como Cotai Strip. O complexo é apoiado pelo Macau Venetian Casino Resort - uma cópia do hotel de Las Vegas, incluindo canais falsos e gondoleiros -, com 3 mil suítes, um teatro de 2 mil lugares, 80 mil m2 de lojas e um centro de exposições de 130 mil m2.

Só a primeira fase vai acrescentar 12 mil quartos até 2009, mais que dobrando a capacidade hoteleira de Macau. Cerca de 3 mil trabalhadores, 30 guindastes e pelo menos 50 caminhões basculantes estão construindo o novo Venetian, que deverá abrir em meados de 2007. Um hotel Four Seasons seis-estrelas, com 400 quartos, está sendo construído na área.

Por trás desses investimentos está a ascensão da classe ociosa chinesa. Macau fica à porta da China continental. Há três anos, quando surtos da Síndrome Respiratória Aguda Severa (Sars) dizimaram o turismo em Hong Kong e Macau, o governo chinês amenizou as restrições à viagem, permitindo que as pessoas visitassem o território livremente. O número de visitantes em Macau aumentou de 11,9 milhões em 2003 para 18,7 milhões em 2005. Há dois anos, 30 mil pessoas esperaram na fila para visitar o Sands no dia da inauguração.

Enquanto os visitantes de Las Vegas ficam em média mais de três dias, a maioria dos que vêm aqui nem sequer passa a noite, voltando a Hong Kong de balsa ou às cidades da Província de Guangdong (Cantão), no sul da China, pelas estradas.

Mas alguns já advertem que essa mentalidade de corrida do ouro leva à construção de um número excessivo de propriedades, superando a demanda até mesmo da China. Macau tinha 1.388 mesas de jogo no fim do ano passado, mas caminha para ter mais de 4 mil até 2009, segundo Andes Cheng, analista da South China Research Ltd., em Hong Kong. Depois de aumentar mais de 40% em 2004, a receita do jogo cresceu apenas 10% no ano passado, de acordo com dados do governo local. "É uma bolha", afirmou Cheng. "Vai haver muita oferta."

Os investidores estrangeiros reconhecem isso, mas dizem estar em posição de conquistar novos clientes, enquanto as propriedades mais antigas, mal preservadas, desaparecerão.