Título: Quando se precisa, onde está a Rússia?
Autor: Steven Weisman
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/04/2006, Internacional, p. A15

Desde a 2ª Guerra provavelmente nunca tinha existido nível tão alto de cooperação russa com os EUA: poucas semanas após o 11 de setembro de 2001, o presidente Vladimir Putin deu apoio contundente às operações americanas no Afeganistão, incluindo ajuda para garantir bases americanas em países da Ásia Central. E o governo de George W. Bush alimentou altas esperanças de mais cooperação russa - no fortalecimento dos laços com países da antiga esfera de influência de Moscou, na obstrução das ambições nucleares do Irã e Coréia do Norte, na garantia de suprimentos de energia. Hoje, quando a cooperação russa se tornou vital sobre o Irã, as declarações de Putin pós-11/9 parecem uma curiosidade de outro tempo. Assim como as esperanças americanas.

No momento em que a Rússia restabelece a confiança para seguir seu próprio caminho, tanto a secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice, como o vice-presidente Dick Cheney estariam conduzindo uma grande reavaliação do que fazer em resposta. Em reuniões com especialistas de fora do governo, eles começaram perguntando quanto a administração pode esperar do Kremlin e o que ela pode fazer para mudar o comportamento russo. A resposta às duas perguntas parece ser: não muito. Uma Rússia mais assertiva está de volta.

As queixas mais recentes sobre a Rússia são que ela bloqueou uma medida forte do Conselho de Segurança da ONU contra o Irã e estendeu a mão para o Hamas enquanto a maioria do Ocidente virava as costas para esta organização. Além disso, os dias em que os EUA eram bem-vindos para se instalar no velho império soviético acabaram. Putin está trabalhando com países asiáticos centrais para a retirada das forças americanas, e impôs novas dificuldades para o investimento ocidental em energia. Pior, usou suas torneiras em tubulações de gás como porrete para submeter aliados (como a Bielo-Rússia) e punir países menos obedientes (como a Ucrânia).

Conselheiros de Bush temem o que Putin poderá fazer quando a Rússia for sede da cúpula dos principais países industrializados em São Petersburgo, em julho. Ele poderia transformá-la numa grande celebração da nova determinação russa de defender os próprios interesses, quer seus hóspedes gostem ou não. Ele já manifestou frustração sobre o que vê como esforços liderados pelos EUA para negar à Rússia seus interesses de segurança e bloquear seu acesso à Organização Mundial de Comércio.

Um importante elaborador de política sobre Rússia no governo Clinton, Stephen Sestanovich, hoje membro do Conselho de Relações Exteriores, participou de reuniões com Condoleezza e Cheney sobre o tema e disse que a administração está insegura sobre o modo de proceder. "Embora possa haver alguns restos de uma boa relação pessoal entre Putin e Bush, eles não acham que isso seja a chave", disse Sestanovich. "Eles esperam uma cooperação residual sobre Irã, contraterrorismo e, talvez, energia. Além disso, não vêem muito mais."

Talvez a ruptura mais emocional tenha sido sobre a repressão de Putin a dissidentes, a prisão de um importante industrial e as restrições a partidos políticos e à mídia. Os EUA observam uma inclinação da Rússia para o autoritarismo; Putin explica essas medidas como corretivas de uma época de saque e corrupção no governo de seu antecessor, Boris Yeltsin.

Condoleezza e Bush frisaram que não desistirão da Rússia. Mas muitos funcionários do governo dizem que, em questões como o Oriente Médio, já não esperam parceria ativa. No máximo, esperam convencer a Rússia a não se pôr no caminho dos objetivos americanos.

Em março, um relatório do Conselho de Relações Exteriores rejeitou apelos para expulsar a Rússia do Grupo dos Oito, mas endossou esforços para contestar a Rússia em matéria de energia, democracia e seu apoio a regimes autoritários em sua vizinhança. Dentro do governo Bush, avalia-se a possibilidade de enfraquecer a cúpula de São Petersburgo realizando uma reunião em separado dos países que compunham o Grupo dos Sete antes da Rússia ingressar nos anos 90. Mas os americanos poderão ter de aceitar que a atitude da Rússia tem sólidas raízes num sentimento de identidade, interesses e destino comuns que está ressurgindo depois de anos de humilhação. Nos anos 90, Moscou não se confrontou com Washington, em boa medida porque não podia. A Rússia havia encolhido física e economicamente depois da guerra fria. Mas, desde 1999, a economia russa cresceu dois terços, ajudada por um aumento de 50% na produção petrolífera e uma escalada global dos preços do petróleo. Com a nova influência econômica veio um forte senso de que a Rússia não deve mais ficar quieta e aceitar ações ocidentais como a guerra da Otan em Kosovo em 1998, à qual Yeltsin se opôs, mas não pôde impedir.

Mesmo depois do 11/9, Putin não encontrou a Rússia em condição de resistir à determinação de Bush de reescrever as regras sobre defesas de mísseis. Mas quando a guerra do Iraque começou, em 2003, ele podia objetar, e objetou - assim como a França e a Alemanha.

"A Rússia está emergindo de um ciclo de decadência de 20 anos e reconstruindo um forte Estado central de um modo que historiadores futuros provavelmente considerarão que era inevitável", disse Thane Gustafson, professor de política da Universidade de Georgetown. "Suas decisões de reafirmar o controle estatal sobre energia e usar suas riquezas para perseguir interesses tradicionais de segurança provavelmente também foram inevitáveis. Energia é tudo que os russos têm."

Nikolas Gvosdev, editor de The National Interest e membro sênior do Nixon Center, diz que "a decepção do governo Bush com a Rússia é espelhada por um sentimento crescente na Rússia de que os EUA estão firmemente decididos a impedi-la de exercer influência" no mundo. "Nos EUA, nós simplesmente nunca achamos que a Rússia iria se recuperar e começar a jogar com seu peso."