Título: FHC diz que episódio foi 'cataclismo' para governo
Autor: Roldão Arruda
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/04/2006, Nacional, p. A10

Presidente criou ministério especial 7 dias após o crime

A chacina de 19 trabalhadores rurais em Eldorado dos Carajás foi um episódio dos mais dramáticos do primeiro governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. No livro A Arte da Política, recém-lançado, o ex-presidente classifica de "cataclismo" a onda de reações que o episódio desencadeou no Brasil e no exterior, desgastando a imagem do governo e ofuscando os esforços que fazia para pôr nos trilhos um programa eficiente de reforma agrária.

Uma das primeiras reações do governo foi a criação do Ministério Extraordinário da Reforma Agrária, mais tarde transformado em Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). O governo também acelerou o ritmo de assentamentos. De acordo com números do Instituto de Colonização e Reforma Agrária, o volume de famílias assentadas subiu de 30,7 mil em 1995 para 99,2 mil em 1999. No total, Fernando Henrique assentou cerca de 400 mil famílias e foi criticado tanto por políticos da bancada ruralista, que o acusavam de ser leniente com os movimentos sociais, quanto pelos sem-terra.

Além da chacina, o governo enfrentou o sucesso da novela O Rei do Gado, com Antonio Fagundes e Patrícia Pillar nos papéis principais. Ela começou a ser exibida pela Globo em junho de 1996, quando ainda não tinham cessado os protestos.

Fernando Henrique também fala da novela no livro, observando que tratava a problemática da terra e dos militantes "de forma simpática" - o que teria dado mais fôlego ao MST. O deputado Raul Jungmann (PPS-PE), que chefiou o ministério nos dois mandatos de Fernando Henrique, acredita que a novela ajudou a ampliar o clima de comoção.

"Aquilo foi um abalo sísmico no governo", diz. Na opinião dele, a criação do ministério teve saldo político positivo, abrindo um canal de interlocução de bom nível para a agricultura familiar: "Os pequenos agricultores sempre eram esquecidos."

O ministério ganhou força em 1998, quando passou a gerir os recursos do Programa Nacional de Financiamento da Agricultura Familiar (Pronaf). Mas, segundo Jungmann, hoje vive um período que ele classifica de "falência múltipla". Uma das causas disso seria a própria estrutura administrativa do Incra, centralizada em Brasília.

Para o ex-ministro, o processo de desapropriações e criação de assentamentos caminharia de forma mais rápida e eficiente se fosse descentralizado, com a participação de Estados e municípios. O segundo fator da falência seriam as pressões do MST, que impedem a execução planejada de qualquer programa. Na maior parte das vezes, o governo corre para resolver conflitos.

Jungmann afirma que, quando o presidente Fernando Henrique determinou que toda terra invadida fosse afastada provisoriamente do processo da reforma agrária, seu objetivo era permitir ações planejadas. No atual governo, porém, a medida provisória tem sido ignorada.

No Ministério do Desenvolvimento Agrário, o coordenador do Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento (Nead), Caio França, tem uma opinião diferente. Ele acredita que o MDA está ganhando mais autonomia administrativa, mais pessoal e recursos, o que deve acelerar a implantação da reforma e ampliar a assistência à agricultura familiar.

"Na safra 1998-99, o Pronaf teve 174 mil contratos, com recursos de R$ 416 milhões. Na safra 2004-05, tivemos 1,6 milhão de contratos, com recursos de R$ 6,7 bilhões", diz França. "Não há nenhuma outra política pública no meio rural com esse padrão de expansão."