Título: Coronel da PM garante que tentou evitar confronto
Autor: Roldão Arruda
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/04/2006, Nacional, p. A10

Pantoja aguarda em liberdade recurso contra sua pena de 228 anos de prisão

BELÉM

Dez anos depois da morte de 19 sem-terra em Eldorado dos Carajás, o comandante da tropa da Polícia Militar enviada para conter o protesto na Curva do S, coronel Mário Colares Pantoja, ainda nega que tenha contribuído para o desfecho trágico do caso. Condenado a 228 anos de prisão e aguardando em liberdade o recurso que interpôs contra a sentença, ele quase não sai de seu apartamento e se queixa com freqüência das atitudes de seu ex-comandante-geral na PM, o coronel Fabiano Lopes. Segundo Pantoja, era o seu superior que deveria ter ido para o banco dos réus.

"Tudo poderia ter sido evitado, eu bem que tentei", diz Pantoja. "Falei para ele que só tínhamos armas pesadas, como fuzis e metralhadoras. Disse também que era necessário que fosse enviada a tropa de choque de Belém para a operação", alega em sua defesa.

O coronel disse que tentou intermediar uma negociação, informando a seus superiores em Belém que os sem-terra iriam desobstruir a Rodovia PA-150 caso lhes fossem cedidos 50 ônibus. Pretendiam ir à capital para promover manifestações pela desapropriação de fazendas apontadas como improdutivas na região de Eldorado.

Na noite de 16 de abril, porém, ele teria recebido a informação de que as autoridades estaduais não autorizariam o fornecimento dos ônibus nem enviariam a tropa de choque. Para Pantoja, as mortes não teriam ocorrido se o governo tivesse tomado outra atitude.

Hoje o coronel se diz amargurado e com medo de voltar para a cadeia, onde passou um período antes de obter o habeas-corpus. Ele aguarda em seu apartamento o resultado da batalha judicial na qual seus advogados tentam anular o julgamento.

O major José Maria Oliveira, que comandava a tropa de Parauapebas no episódio, evita contatos com a imprensa. Mas também diz a amigos ter sido "injustiçado". Nega que seus homens tenham matado os sem-terra, mantendo a versão apresentada em juízo de que os trabalhadores foram atingidos por balas da tropa de Marabá, comandada por Pantoja.

FERIDOS

Amanhã, durante as manifestações previstas para a Curva do S, em Eldorado, será lançado o livro Os Sobreviventes do Massacre - Um Caso de Violação dos Princípios da Dignidade da Pessoa Humana. É um relato sobre a situação de 75 pessoas que teriam saído feridas e das dificuldades que enfrentam para ter assistência médica. Várias delas ainda possuem balas alojadas no corpo.

É o caso de Antonio Alves, o Índio, que tinha 35 anos na época da chacina. Por telefone, ele disse ao Estado que levou três tiros - na coxa, no calcanhar e no joelho. Duas dessas balas ainda estão em seu corpo, no joelho e no calcanhar.

"O Estado nunca me deu um tratamento médico digno", diz ele. "Tanto eu quanto os outros sobreviventes só temos recebido paliativos, como remédios para a dor. Perdi os movimentos da perna, tenho dores na coluna e, embora tenham me dado um lote na fazenda que nós estávamos reivindicando para a reforma agrária no dia do massacre, não posso mais trabalhar a terra. Dependo dos filhos, dos companheiros e de pessoas que eu contrato."

Índio tem oito filhos - o mais velho deles com 17 anos. Um de seus vizinhos no assentamento, Carlos Huganito, que tinha 16 anos em 1996, foi acertado no olho e até hoje está com a bala alojada no crânio.