Título: MST lembra 10 anos de Eldorado dos Carajás com protestos em todo o País
Autor: Roldão Arruda
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/04/2006, Nacional, p. A10

Até hoje nenhum dos acusados pelo massacre de 19 trabalhadores rurais recebeu uma punição definitiva

A passagem dos dez anos do massacre de 19 trabalhadores rurais ocorrido no dia 17 de abril de 1996, em Eldorado dos Carajás, no Pará, está sendo lembrada pelo Movimento dos Sem-Terra (MST) com manifestações em todo o País. Amanhã, no local das mortes, na chamada Curva do S, na Rodovia PA-150, haverá um ato público para o qual são esperados milhares de militantes do MST, políticos, familiares dos mortos e representantes dos trabalhadores que saíram feridos. O secretário especial de Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, representará o governo federal.

Um grupo de 200 jovens do MST já está acampado na Curva do S desde o primeiro dia deste mês. Eles estão distribuídos em 19 barracas, cada uma delas com o nome de um dos mortos, e todos os dias, às 17h30, o horário em que a polícia começou a disparar contra os sem-terra, eles interrompem o movimento naquele trecho da rodovia, entre os municípios de Eldorado dos Carajás e Curionópolis. Ficam gritando palavras de ordem e cantando hinos durante 30 minutos.

Ontem, em Pernambuco, cerca de 200 famílias ligadas ao MST voltaram a ocupar o Engenho São Bernardo, em Paudalho, na Zona da Mata. Foi a 31.ª invasão do MST neste ano em Pernambuco, numa onda de ações que se espalhou por diversos Estados com o propósito de lembrar os mortos de Eldorado e pressionar o governo para que acelere a reforma agrária. Desde o ano 2000 não se via um volume de invasões tão grande como o deste ano.

Em São Paulo, às 17 horas de amanhã, entidades de direitos humanos, organizações sindicais e pastorais sociais da Igreja Católica realizarão um ato de protesto contra o Poder Judiciário. Vão lembrar que, decorridos dez anos do episódio em que uma tropa de policiais militares atirou contra os sem-terra que bloqueavam a rodovia, até agora ninguém recebeu condenação definitiva. Ao final do ato, os manifestantes depositarão velas e cruzes ao redor do edifício do Tribunal de Justiça.

Os dois únicos oficiais da PM condenados pela Justiça do Pará, o coronel Mário Colares Pantoja e o major José Maria Pereira, receberam penas de 228 e 154 anos de prisão, respectivamente. Mas recorreram ao Supremo Tribunal Federal, que lhes concedeu habeas-corpus, permitindo que aguardem em liberdade o julgamento dos recursos que apresentaram.

Na Bahia, um grupo de militantes do MST marcha desde o dia 10 para lembrar as mortes. Eles saíram de Feira de Santana em direção a Salvador, devendo participar amanhã de um ato de protesto diante do fórum da capital baiana, no Campo da Pólvora.

Em Brasília, os mortos serão homenageados às 11 horas com uma sessão na Câmara dos Deputados, no Plenário Ulysses Guimarães. Para o período da tarde está programado um debate sobre violência no campo.

Na quarta-feira, o deputado João Alfredo (PSOL-CE) já tinha lembrado o episódio durante um discurso no plenário da Câmara. Ele deu ênfase à questão judicial, afirmando que "a impunidade é a regra e não a exceção, quando se tratam de mortes no campo".

Na opinião do deputado, que no ano passado foi relator da CPI da Terra, os sinais de impunidade no caso de Eldorado são: o fato de ninguém ter sido preso até agora e a ausência de acusações formais contra os políticos que estavam à frente do governo do Pará. "Os grandes responsáveis políticos pelo massacre de Eldorado dos Carajás, o ex-governador Almir Gabriel (PSDB) e o então secretário de Segurança Pública, Paulo Sette Câmara, não sentaram no banco dos réus e nem sequer foram envolvidos formalmente no caso", disse ele, na tribuna.

De acordo com o MST, deverão ocorrer manifestações também no exterior, diante das embaixadas brasileiras da França e da Itália. Segundo Marina dos Santos, militante alçada há pouco à função de porta-voz do MST, substituindo João Paulo Rodrigues, os atos no exterior serão organizados por simpatizantes do movimento.

Ainda segundo Marina, as manifestações também expressam o descontentamento com o governo. Ela disse que as 120 mil famílias reunidas pelo MST em seus acampamentos estão vendo o governo de Luiz Inácio Lula da Silva chegar ao fim sem terem conseguido seus lotes.