Título: A qualidade do salto
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/04/2006, Nacional, p. A6

Em princípio, o artigo de quarta-feira propondo "um salto de qualidade" no debate sobre as razões de as pesquisas indicarem que o presidente Luiz Inácio da Silva se mantém razoavelmente imune aos efeitos dos escândalos de corrupção e aparelhamento do Estado envolvendo o governo era apenas um tema para reflexão. Sem maiores pretensões de encontrar respostas.

Mas os leitores - surpreendentemente, diga-se - reagiram em tal número e de forma tão assertiva, com uma quantidade significativa de explicações, que vale a pena voltar ao assunto, reproduzindo algumas das opiniões sobre os motivos do distanciamento entre a decepção observada no dia a dia e os índices de preferência eleitoral que ainda conferem dianteira a Lula.

Entre pessimistas e otimistas, a maioria tende a acreditar que as pesquisas expressam a identificação do presidente com o homem comum. Alguns vêem nisso uma qualidade, evidência de "um novo comportamento das classes menos favorecidas" à qual as "elites" devem se render, enquanto outros enxergam aí um sinal da incurável submissão brasileira à ignorância e ao baixo grau de exigência moral.

João Guimarães de Barros, por exemplo, discorda da preliminar posta no artigo de que, não sendo o Brasil uma nação de néscios desinformados, alguma explicação deve haver por trás de números tão favoráveis.

Diz ele: "Somos sim uma nação composta de maioria de néscios desinformados, carentes absolutos de discernimento, reféns de um lumpesinato amorfo que acredita nada ter a ver com o governo, que os homens foram lá colocados por algum desígnio divino". João, está visto, forma no batalhão dos pessimistas. Na visão dele, a "prova" do atraso foi a eleição de um presidente como Fernando Collor e a reeleição de políticos (cita o exemplo de Jader Barbalho) condenados pela opinião pública. Para reforçar, lembra "o Congresso que temos".

Já Diego Campos pensa o oposto: "Não quero parecer rude, mas os que descartam a possibilidade de inteligência na mente dos brasileiros não compreendem o fenômeno, recente, mas evidente, de afloramento de um novo comportamento das classes desfavorecidas".

Na opinião de Diego, "a identificação do povo depauperado é legítima, não procura se ver em rostos brancos, de olhos claros e comportamento aristocrático, mas em quem tem a vida relacionada com ele". Assim, "sendo que todos os partidos são iguais", as pessoas preferem votar em alguém que se parece mais com elas. Diego vê aí o esboço de "um novo país".

Ricardo Dias, mais descrente, vê nas análises de pesquisas a expressão da "falta de assunto". Acha que a eleição ainda está muito longe do cotidiano do eleitor, cuja opinião é formada a partir das imagens exaustivamente repetidas na televisão.

Para sustentar o raciocínio lembra uma frase de Duda Mendonça sobre campanhas políticas no Brasil: "Televisão é o antibiótico, o resto é homeopatia". Dá um exemplo: "O fato de 60% dos eleitores saberem da dança da pizza da deputada (Ângela Guadagnin) e só 35% estarem a par da invasão do sigilo do caseiro (Francenildo dos Santos Costa) mostra que o que vale é a imagem repetida à exaustão". Portanto, para ele, o quadro favorável tende a se inverter mais perto da eleição.

Victorio pede reserva quanto ao sobrenome e não vê motivo para se "desqualificar as pesquisas", pois, acredita, refletem a realidade. O sentimento de pessimismo e decepção com o governo na opinião dele é fruto do espaço "exagerado" que os meios de comunicação dão às denúncias, percebidas pela população como produto de campanha da oposição.

Como tudo o que é demais enjoa, ele acha que os escândalos se banalizam, não impressionam a população e, sendo assim, a maioria não enxerga neles motivo suficiente, muito menos consistente, para deixar de votar em Lula.

José Ailton é pastor-missionário, trabalha no interior de Tocantins e acompanha o noticiário político de perto. "Creio que o presidente Lula ainda tem 40% das intenções de voto porque a população de baixa renda e pouco informada o vê como um representante do seu próprio segmento social."

Ailton não faz juízo de valor, não diz se gosta ou se desgosta. Apenas aponta que em seus discursos Lula "fala ao coração desses brasileiros" e eles retribuem com apoio eleitoral.

Bem mais crítico, Arnaldo Santos "na minha rabugice dos cinqüenta e tantos anos" concorda "com a tese de João Ubaldo Ribeiro" segundo a qual a "tolerância abriu alas para uma nação de oportunistas".

"Os mesmos que gritam contra os políticos compram produtos piratas, furam filas, sonegam impostos" e votam mal. "Basta ver a última eleição para o Congresso, piorou muito." Para ele, as pesquisas indicam leniência do eleitorado com o comportamento ético dos governantes.

Na mesma linha, conclui o publicitário Neil Ferreira: "As últimas pesquisas mostram que o povão tem, sim, informação e consciência da corrupção e da violência do Estado contra o caseiro Francenildo, mas não está nem aí".