Título: CPI pode perder nova batalha para Okamotto
Autor: Mariângela Gallucci, Paulo Moreira Leite
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/04/2006, Nacional, p. A6

Texto preparado para pedir quebra de sigilo representa evolução, mas repete erros de requerimentos derrubados anteriormente pelo Supremo

A CPI dos Bingos corre o risco de fracassar em uma nova tentativa de quebrar o sigilo bancário de Paulo Okamotto, amigo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tesoureiro de diversas campanhas petistas e presidente do Sebrae. No início desta semana, os senadores da oposição devem colocar em votação um novo requerimento pedindo a quebra do sigilo de Okamotto. O esforço é visto em Brasília como uma operação decisiva para se conhecer as possíveis conexões entre o presidente Lula e o esquema de finanças clandestinas do PT.

A possibilidade de derrota é real, porém, e não só porque o Supremo Tribunal Federal (STF) tem acumulado um conjunto de decisões a favor do governo. Informados pelo Estado sobre o teor do documento, ministros e ex-ministros do Supremo avaliaram que o requerimento tem erros e falhas que podem salvar Okamotto e beneficiar o governo. O senador Jorge Bornhausen (PFL-SC) teme deslizes. "Não podemos dar pretexto para os advogados do adversário", diz Bornhausen.

Assinado pelo senador Antero Paes de Barros (PSDB-MT), o requerimento circula pelo Congresso desde a semana passada. O documento foi escrito de olho nos parlamentares e também nos humores do Supremo. Semanas atrás, depois que a CPI aprovou um pedido de abertura das contas de Okamotto, o ministro Cezar Peluso assinou um despacho que manteve as contas bancárias em segredo. No texto, Peluso argumentou que a CPI não fixava um período preciso para investigar as contas de Okamotto. Em razão disso, alegou, os parlamentares teriam acesso à vida bancária do amigo de Lula desde que ele assinou o primeiro cheque, o que poderia transformar a apuração numa "devassa injustificável e inútil".

O novo requerimento resolve essa questão só em parte. Pede a quebra do sigilo de Okamotto de 1990 "até a presente data". Há, teoricamente, uma justificativa para isso. As primeiras denúncias contra Okamotto, levantadas pelo economista e ex-petista Paulo de Tarso Venceslau, envolvem episódios ocorridos nas prefeituras do PT no início da década de 90. Nessa época, diz Paulo de Tarso, Okamotto procurava aproximar-se de fornecedores de prefeituras petistas para solicitar contribuições para o partido. Por essa razão, abrir a contabilidade de Okamotto desde aquele momento seria uma forma simples, fácil e segura de contar a história das finanças petistas a partir de um personagem especialmente bem localizado.

O problema é que, ao tentar a quebra de sigilo de 16 anos, a CPI pode cometer o erro clássico de pedir muito para acabar não levando nada. Tribunal que julga ações movidas contra atos de CPIs, o STF costuma suspender quebras de sigilo quando o requerimento não delimita o período abrangido pela medida. Além disso, o Supremo é muito rigoroso quanto à necessidade de fundamentar devidamente a medida, que precisa ser feita com o objetivo de investigar o assunto para o qual a comissão foi criada - no caso, os bingos.

Ministros do Supremo afirmam que alguns atos de CPIs têm erros primários que podem ser combatidos facilmente por advogados experientes. Um desses equívocos é a falta da limitação temporal da quebra do sigilo. Outro erro freqüente é não fundamentar devidamente as decisões. Diante desses problemas, a defesa de atingidos protocola mandados de segurança no STF e na maioria das vezes tem sucesso. A oposição grita, nem sempre com razão.

"A regra é que a CPI tem competência para decretar a quebra de sigilo desde que a decisão seja justificada, motivada e delimitada no tempo", recorda um ex-integrante do Supremo. Mas, na opinião dele, os 16 anos de quebra podem levar à inviabilização do pedido.

"A CPI terá de justificar por que quer a quebra desse longo período. E a justificativa tem de ter a ver com o que a CPI está investigando. No caso, os bingos", observou.

No STF, entre as CPIs mais recentes, a do Judiciário é considerada como a mais cuidadosa. "A CPI do Judiciário tinha uma excelente assessoria jurídica", disse um ministro do STF. Havia um roteiro que era seguido, o que evitava a reversão de decisões da CPI. Integrantes do Supremo observaram que na época a comissão quebrou sigilos, mas delimitou corretamente os períodos e apresentou justificativas contundentes. É possível contar nos dedos de uma mão a quantidade de pedidos recusados à CPI do Judiciário.

Advogado atuante em Brasília e ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), José Eduardo Alckmin não comenta o caso de Paulo Okamotto. Mas aceita falar em tese sobre o assunto: "Sem falar de um caso concreto, acredito que realmente precisaria haver atenção na quebra de sigilo para delimitar o período que deve ser objeto de exame. Também é necessário sustentar a razão do pedido", afirmou. "O que não é possível é uma devassa. O sigilo só pode ser quebrado a partir de uma denúncia concreta, não uma simples suspeita," opinou o advogado, que é primo do candidato do PSDB à Presidência, Geraldo Alckmin.

Informado do teor do requerimento, Jorge Bornhausen, principal liderança do PFL, ficou surpreso. "Parece um período exagerado", diz o senador. Para Bornhausen, seria razoável solicitar a quebra do sigilo do presidente do Sebrae entre 2002 e 2006 ou mesmo entre 2002 e 2004. O senador explica que a CPI tem investigado um fato específico: como Okamotto pagou uma dívida de R$ 29 mil de Lula com o PT.

"O pedido poderia ater-se a isso", diz Bornhausen. O senador recorda que, nesse caso, a CPI deveria quebrar o sigilo do presidente do Sebrae e de sua mulher. "Foi o próprio Okamotto que declarou, num depoimento, que ela também havia feito uma parte dos pagamentos."

Escaldado pelos percalços anteriores, Antero Paes de Barros planeja colocar o documento em votação em dois locais: na própria CPI dos Bingos e também no plenário do Senado - o mesmo que aprovou a quebra de sigilo do caseiro Francenildo dos Santos Costa. "Se os senadores aprovaram uma investigação sobre o caseiro, não há motivo para recusar uma investigação sobre Paulo Okamotto", argumenta Antero.

Ao colocar o requerimento a voto no plenário, a idéia é contornar uma questão que, comprovadamente, incomoda os integrantes do Supremo - a noção de que as contas de Lula podem fugir do "fato determinado" de uma comissão intitulada CPI dos Bingos. Alertado sobre os problemas colocados pelo novo requerimento, Antero Paes de Barros decidiu submeter o texto a advogados do PSDB antes de colocá-lo em votação. Ele se dispõe a solicitar a quebra de sigilo por um período de tempo mais curto, "se ficar claro que isso pode ser melhor para as apurações".

O primeiro requerimento: A CPI queria quebrar o sigilo bancário de Okamotto por prazo indeterminado. O Supremo manteve as contas sob sigilo por considerar que a falta de um prazo definido iria transformar a apuração numa devassa.

O novo requerimento: A CPI quer autorização para quebrar o sigilo de 1990 até hoje. A justificativa é que as primeiras denúncias do economista Paulo de Tarso Venceslau sobre o envolvimento de Okamotto no esquema de finanças do PT são dessa época.

O problema: A maioria dos especialistas concorda que 16 anos é um prazo longo demais e poderia levar o Supremo a recusá-lo mais uma vez. Eles consideram mais razoável que se faça um pedido para um prazo mais curto - por exemplo, a partir de 2002, ano da última campanha presidencial.