Título: Advogados viram estrelas da crise e levam até R$ 2 milhões por causa
Autor: Luciana Nunes Leal
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/04/2006, Nacional, p. A4

Maiores especialistas entraram em cena para defender autoridades, parlamentares, empresários e banqueiros

Faltavam cinco minutos para a meia-noite do dia 22 de agosto do ano passado quando o criminalista Tales Castelo Branco entrou em seu escritório, em São Paulo, para uma reunião com o futuro cliente. Pouco depois chegou o publicitário Duda Mendonça, que 11 dias antes, em depoimento-bomba à CPI dos Correios, confessara ter recebido R$ 10,5 milhões do esquema do empresário Marcos Valério, enviados ilegalmente para uma conta nas Bahamas.

O horário da reunião, a pedido do marqueteiro, mostra o quanto Duda estava apreensivo. Naquele dia tinha sido rompido o contrato com o criminalista Antônio Cláudio Mariz de Oliveira e ele precisava de um novo defensor, com urgência.

Castelo Branco e Mariz são dois dos mais renomados advogados do País. Desde o início da onda de escândalos que abala o governo, eles e outros respeitados especialistas entraram em campo para defender autoridades, parlamentares, empresários, banqueiros e passaram a trafegar entre o direito e a política. A contratação das maiores bancas de advogados, a preços que muitas vezes chegam aos milhões de reais, é um indicativo da gravidade dos crimes e do temor dos envolvidos de serem condenados. "Acho que, se você precisa de um advogado de muita expressão, é porque o que está em discussão tem conteúdo comprometedor", diz o relator da recém-concluída CPI dos Correios, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR).

Os honorários dos grandes nomes da advocacia brasileira sempre foram um assunto-tabu. Estima-se que não existem contratos inferiores a R$ 1 milhão nos casos mais longos e assumidos pelas grandes bancas. Defesas de bancos e grandes empresas podem ultrapassar R$ 2 milhões.

Parlamentares menos conhecidos envolvidos no mensalão na maior parte das vezes procuraram advogados indicados por amigos ou com quem já tinham tido contato. Neste caso, os contratos podem girar de R$ 100 mil a R$ 300 mil.

Não foi por acaso que o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci chamou a sua casa, no auge da crise do caseiro, outro criminalista do primeiro time, Arnaldo Malheiros. O advogado agora se vê às voltas com a denúncia de que teria participado de uma operação para buscar um bode expiatório que assumiria, sob pagamento, a culpa pela violação da conta de Francenildo dos Santos Costa, o Nildo. Malheiros nega. "O que fiz foi a missão rotineira de um advogado", diz, insistindo que procurou apenas mostrar as implicações jurídicas envolvidas.

Malheiros é, desde o início da crise, advogado dos ex-dirigentes petistas Delúbio Soares e Silvio Pereira. Antes de os dois deixarem o PT, a contratação do criminalista foi feita pelo partido. "Fizemos um contrato de R$ 300 mil e não pagamos um centavo. Não temos dinheiro. Estamos devendo", diz o tesoureiro do PT, Paulo Ferreira, sucessor de Delúbio.

Ferreira diz que o partido paga R$ 40 mil mensais a outros escritórios que cuidam dos interesses do partido. Delúbio e Sílvio continuam com Malheiros, mas o pagamento agora sai do bolso deles.

O PT teve seis deputados processados no Conselho de Ética da Câmara, mas não assumiu, segundo Ferreira, o pagamento da defesa de nenhum deles. Já o PP, com cinco processados, é quem paga os honorários cobrados pelo escritório do advogado Eduardo Ferrão.

Mesmo as cifras admitidas publicamente são elevadas. Segundo a assessoria de imprensa do PP, são R$ 30 mil mensais ao escritório de Ferrão. Durante as investigações do mensalão, os dirigentes do PP confessaram ter recebido R$ 700 mil do caixa 2 de Marcos Valério e disseram ter usado para pagar outro advogado, Paulo Goyaz, que defendeu o deputado cassado Ronivon Santiago.

Malheiros foi indicado a Palocci pelo ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. Quando foi chamado a dar explicações sobre o fato de também ter participado da reunião, Bastos referiu-se a Malheiros como "um dos maiores especialistas em direito penal do País". O próprio Bastos está no primeiro time de criminalistas. Sempre esteve próximo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e já defendeu petistas históricos, como o ministro Tarso Genro.

No governo, Bastos tornou-se uma espécie de consultor legal. Mais ainda depois das denúncias iniciadas pelo ex-deputado Roberto Jefferson (PTB). "O ministro Márcio Thomaz Bastos é a ligação que Lula tem com o saber da legalidade. Lula não tem capacidade de discernir o que é certo e o que é errado. É o ministro quem soa os alarmes. No caso da queda do Palocci, acredito que Bastos tenha dito 'basta, presidente, não dá mais'. Se ele sair, o governo perde o fusível", diz o líder da minoria na Câmara, José Carlos Aleluia (PFL-BA).

"Não sou político e não posso ter a pretensão de orientar o lado político. Explico quais são as conseqüências possíveis diante de várias alternativas. No caso dos políticos, a diferença é que o reconhecimento de um fato, mesmo que não seja ilícito, pode representar para o cliente algum ônus político", diz Malheiros. O advogado acompanhou Delúbio e Silvio nos depoimentos à CPI dos Correios. "A abordagem da CPI é diferente do depoimento policial ou judicial, que é mais objetivo. As TVs Câmara e Senado multiplicam por dez o potencial das CPIs", compara.

No caso de Palocci, Paulo Ferreira também garante que o PT não se envolveu na contratação da defesa. Apesar da consulta a Malheiros, o ex-ministro da Fazenda contratou outra estrela da advocacia, José Roberto Batocchio, ex-colega de Palocci na Câmara (foi deputado pelo PDT) e ex-presidente da OAB. Foi o criminalista quem anunciou que Palocci prestara depoimento à Polícia Federal, na semana passada.

Enquanto a imprensa aguardava durante horas o advogado para uma entrevista, ele acompanhava o ex-ministro, que recebeu em casa os policiais federais. Batocchio defende também o ex-deputado Valdemar Costa Neto (PL-SP), que renunciou quando foi acusado de ser um dos comandantes do mensalão. No ano passado, ele obteve o habeas corpus que tirou o ex-prefeito Paulo Maluf da cadeia. "Não há ligação entre opinião política e atuação profissional. Senão, o católico fervoroso Sobral Pinto não defenderia o comunista Luiz Carlos Prestes", diz o advogado.

Ainda no episódio da violação da conta do caseiro, aparece outro grande da advocacia criminal, Alberto Toron. Ele defende o ex-presidente da Caixa Econômica Federal, Jorge Mattoso, que entregou a Palocci o extrato obtido com quebra ilegal de sigilo. Atua também na defesa do deputado João Paulo Cunha (PT-SP).

Atualmente, Toron está envolvido em outro caso de repercussão fora da política: é assistente de acusação no caso Suzane Richthofen, que tramou o assassinato dos pais. "Todos os casos penais envolvem variáveis que não são apenas técnicas", diz o advogado. "Vários episódios mostram como é difícil trabalhar em casos de grande repercussão. O advogado tem que se preparar. Nos Estados Unidos usa-se o termo trial by media. É o julgamento paralelo da opinião pública."

O deputado José Eduardo Martins Cardozo (PT-SP), promotor de formação e integrante da CPI dos Correios, compara a contratação dos grandes criminalistas ao "paciente aflito que tem de se submeter a uma cirurgia grave e procura o melhor cirurgião que pode pagar e que pode encontrar". Para Cardozo, no caso das CPIs, os grandes nomes da advocacia tiveram também o papel de inibir alguns deputados e senadores.

"Muitos parlamentares tratam o depoente como bandido. A presença de um advogado renomado inibe isso", diz o deputado petista. "O parlamentar não vai querer dar voz de prisão a um ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil."

Durante as CPIs e os processos no Conselho de Ética, os advogados se insurgiram contra o que consideravam a falta de normas para a investigação. "Embora as CPIs não possam indiciar ninguém, causam um estrago enorme na medida em que o processo de investigação nem sempre é conduzido com rigor teórico", diz Tales Castelo Branco. "Em determinado momento, eu disse no Conselho de Ética que não se poderia ter prova emprestada (de outra investigação, no caso, a CPI dos Correios), mas é como pregar no deserto", conta Antônio Cláudio Mariz, encarregado da defesa do deputado José Mentor (PT-SP).

Segundo Mentor, que também é advogado, Mariz o atende "como amigo de muitos anos". Sobre o rompimento do contrato com Duda Mendonça, Mariz responde: "Minha orientação não foi seguida."

O relator Osmar Serraglio sai em defesa da investigação da CPI: "As CPIs também têm suas normas e regras e avançam de acordo com o que vai sendo apurado. É um inquérito, como há inquérito administrativo, inquérito policial. Têm viés político, é da natureza delas."

Nem sempre bem-sucedidos nos processos políticos, os advogados agora estão na fase mais técnica da atuação, pois vários clientes foram denunciados pelo procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza. "Prefiro muitas vezes o tribunal com julgamento com base na lei e nas provas, onde não tem ingrediente passional, emocional e político", afirma José Luis Oliveira Lima, que se notabilizou na defesa do ex-ministro e deputado cassado José Dirceu.

O petista não escapou da pena máxima no julgamento político. Agora, o desafio para o advogado é de outra natureza: Dirceu é um dos principais denunciados pelo procurador.

Oliveira Lima entrou na defesa do ex-deputado por acaso. Dirceu queria contratar mais um integrante do primeiro escalão do direito, o ex-ministro da Justiça José Carlos Dias. O escolhido, porém, já tinha sido contratado por outro envolvido na onda de escândalos, o Banco Rural. Foi Dias quem recomendou a Dirceu a contratação de Oliveira Lima.