Título: Entre o futebol e o crime, A.N.S. ficou com o crime
Autor: Fábio Mazzitelli
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/04/2006, Metrópole, p. C1,3,4

Adolescente deixou de fazer teste no Corinthians em solidariedade a 'irmãozinhos' punidos

A.N.S., de 17 anos, chegou à Febem dividido entre futebol e crime. Quando foi preso, em outubro de 2005, treinava nas categorias amadoras do Guarani, de Campinas. E intercalava treinos com roubos.

Na UI-9, onde estava desde novembro, era o melhor jogador e também um dos "faxinas". Seguia esse caminho até que Celso (nome fictício do funcionário da Febem que é o treinador de futebol da unidade) apostou na sua carreira.

Único funcionário com livre circulação entre os jovens, que o respeitavam e o tratavam com distinção, Celso tinha facilidade para se relacionar com os internos e fez A.N.S despertar para o esporte após levá-lo para um teste no Corinthians.

Na semana seguinte, esperando voltar para uma segunda avaliação no clube, o jovem já tinha reduzido bastante a quantidade de cigarros que fumava por dia e se superava em treinos físicos na quadra interna da unidade. Estava mais sorridente. "Quero largar essa vida. Não quero mais isso pra mim não."

Em 14 de fevereiro, a unidade passou por revista geral. Como resultado, os internos ficaram isolados no quarto - a tranca. Mesmo com permissão para treinar no Corinthians, o jovem foi solidário aos outros. "Não vou ter nem cabeça para jogar bola. Não vou sair daqui e abandonar meus irmãozinhos na tranca. Aqui a gente come na mesma colher."

Depois daquele dia, a vida de A.N.S. tomou outro rumo. Ele assumiu a condição de líder máximo dos internos na unidade. Na semana seguinte, subiu no alambrado para se comunicar com a unidade vizinha e, como punição, foi transferido para o circuito grave, onde estão, em tese, os adolescentes mais perigosos. Acabou o futebol. E o que chamam de ressocialização por meio do esporte.

Eu havia me aproximado de A.N.S. por meio do treinador. Antes de ser transferido, o adolescente me contou que sofrera maus-tratos e, por isso, não tinha consideração pela Febem.

CHOQUE "Na UAI e na UIP, apanhei sete vezes", disse o jovem, referindo-se às unidades de atendimento inicial (UAI) e internação provisória (UIP), portas obrigatórias para a unidade de internação. "Eu apanhava porque não abaixava a cabeça. Mas, quando os caras começavam a bater, eu gritava", disse. "Às vezes, nem doía tanto, mas gritava. Era o único jeito de me defender. Gritava e eles paravam."

O tom era diferente apenas quando ele falava do treinador Celso. "Ele é como um irmão. Aquele dia do treino foi o mais feliz na Febem." O caso de A.N.S. provocou atritos do treinador com a direção. Celso, um dos poucos funcionários realmente empenhados em recuperar os jovens, pediu férias.

A.N.S. deixou a unidade sem garantir retomar o futebol. "Já joguei pelo Santo André e pelo Guarani, mas nunca consegui parar (com o crime). Não prometo nada porque, aos 11 anos, prometi a meus pais que não iria mais roubar e não cumpri. Não prometo mais nada."