Título: Oficinas que só abrem se a Justiça mandar
Autor: Fábio Mazzitelli
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/04/2006, Metrópole, p. C1,3,4

Inscrições são feitas só para constar, por pressão judicial, e logo espaço profissionalizante volta às moscas

No Tatuapé, espaço profissionalizante adequado existe. Só não é utilizado. Há mais de um ano, por questão de segurança, os internos deixaram de freqüentar a Escola Marina Vieira de Carvalho Mesquita, um centro profissionalizante. O local está às moscas porque, para a Febem, era usado para organizar rebeliões. Dividida em três módulos, a escola tem diversas salas, espaçosas e equipadas para uma série de oficinas profissionalizantes, como computação, cerâmica, mecânica e pintura de automóveis.

Atualmente, o uso das instalações só é feito excepcionalmente, por força de decisão da Justiça, que às vezes exige atividade profissionalizante baseada no Estatuto da Criança e do Adolescente. Na UI-9, conduzi inscrições para cursos profissionalizantes que seriam realizados na unidade. Nenhum saiu do papel. Pela reação dos internos na hora de assinar a ficha, eram inscrições pro forma. Também por questão de segurança, os internos assistem às aulas do ensino formal dentro das próprias unidades. Na UI-9, são duas salas de aula pequenas e apertadas - para 25 e para 15 alunos.

Os últimos resultados na área de ensino foram desoladores. De um total de 36 alunos rematriculados para o atual ano letivo, apenas 8 haviam sido aprovados no fim de 2005, indicando um porcentual de 78% de reprovação.

Outro índice alto é o de analfabetos. Da população de 60 internos, havia cerca de 20 analfabetos ou com problemas graves para ler ou escrever. Essa realidade é ignorada pela instituição para salvar as aparências. Analfabeto e aluno da 1ª série, Fabiano (nome fictício) recebeu diploma do curso de garçom, cuja exigência mínima era 6ª série.

Sem uma proposta pedagógica consolidada, a rotina de um agente educacional se faz, essencialmente, de contatos informais com os adolescentes no pátio, onde eles passam a maior parte do dia, desde o início da manhã até as 22 horas.

Os principais passatempos dos internos são jogar futebol e dominó, empinar pipa e preparar caixas, porta-retratos e patos feitos à base de dobraduras. Entre os passatempos ao alcance e ficar à toa, muitos ficam com a segunda opção. Passam o tempo de forma entediante, ouvindo a música ambiente do pátio, vendo TV, conversando ou dormindo.

MÚSICA NEW AGE Para quebrar o tédio, a equipe de segurança cultiva o hábito de promover bingos dentro da unidade. Jovens que conseguem encher a cartela são premiados com um pacote de salgadinhos e guloseimas. O bingo ocorre, em média, uma vez por semana e tem grande adesão. O mesmo não se pode dizer das oficinas culturais. Quatro professores ligados ao Instituto Mensageiros, ONG parceira da Febem, promovem, durante a semana, aulas de artes plásticas, teatro, capoeira e dança da rua. Não há, porém, muita regularidade na prática das oficinas, que são canceladas ora por decisão dos jovens, ora por imposição da direção.

Para impor autoridade, a direção freqüentemente vai além das questões de segurança para medir forças com os jovens em outros campos. Um exemplo foi o que ocorreu em um dos períodos em que os internos ficaram sem atividades, isolados no quarto.

O diretor colocou no sistema de som do pátio, como fizera em outras oportunidades, músicas new age, das quais é fã. Soava estranho aos ouvidos dos adolescentes, que apreciam rap e pagode. "Eu ouço a música deles boa parte do tempo. Por que não podem ouvir um pouco da minha música? É importante que conheçam", disse o diretor. Desta vez, com todos trancafiados, os jovens interpretaram a onda new age de outra forma. "Só pode ser provocação", gritou um deles.

A prática do agente educacional era subordinada aos coordenadores da segurança. Nada podia ser feito sem que eles autorizassem. Nem mesmo entregar uma caneta ao jovem para escrever uma carta. "Na hora da rebelião, caneta pode virar arma no pescoço de um refém", disse o diretor.

E isso tudo acontece no circuito médio. No grave, é outra história.