Título: Efeito China revoluciona Jucurutu
Autor: Angela Lacerda
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/04/2006, Economia & Negócios, p. B10

Exploração de minério de ferro transforma e profissionaliza a população da cidade potiguar de 20 mil habitantes

É em Jucurutu, no alto sertão do Rio Grande do Norte, a 262 quilômetros de Natal, que está, hoje, o maior número de motoristas profissionais de rodotrem graneleiro - uma carreta com nove eixos, 20 metros de comprimento, quatro emplacamentos e capacidade de transporte de 54 mil toneladas. Com cerca de 20 mil habitantes, índice de 40% de analfabetismo e economia até recentemente baseada na pecuária, pesca e agricultura de subsistência, o município tem 120 desses profissionais - 80 deles contratados. Os outros 40 esperam o aumento da produção de minério de ferro explorado pela brasileira Mhag - controlada pela paranaense Campina Participações - em parceria com a empreiteira Toniolo Busnello. A primeira remessa, de 75 mil toneladas de minério, já seguiu para a China em janeiro. Os profissionais que operam os rodotrens foram treinados e capacitados pela empresa e pela concessionária Mercedes-Benz. A grande maioria é nativa.

A chegada da mineradora, que começou a funcionar há um ano, mudou a vida do município, até então só mais um entre os inúmeros do semi-árido nordestino a padecer com a seca e o desemprego. "Antes eu precisaria sair de Jucurutu para ver o mundo; hoje o mundo vem para Jucurutu", resumiu Fábia Verônica Pereira de Medeiros, 26 anos, que abandonou a idéia de ir para Natal ganhar a vida.

Fábia cuida das 200 refeições diárias nas instalações da empresa, o que a levou a estimular o pai e irmãos a ampliar a churrascaria da família.

O comércio da cidade cresceu e até foi aberta uma filial da rede potiguar de eletrodomésticos Maré Mansa. "Tudo isso significa mais oportunidade de emprego", diz Carlos Kid Nunes Cavalcante, gerente de obras da Toniolo, entusiasmado com a política de regionalização de mão-de-obra da empresa. "Só compramos algo fora quando a cidade não dispõe, da mesma forma que só trazemos profissionais quando não há condições de capacitá-los aqui."

Os cinco funcionários da Maré Mansa são de Jurucutu e três deles estavam prontos para sair da cidade. "Aqui quem termina o 2º grau e quer uma vida melhor, vai embora", afirmou Madacilene Maciel da Costa, 22 anos, gerente da unidade inaugurada há quatro meses.

MELHOR DO MUNDO A Mina do Bonito, a 17 quilômetros da sede de Jucurutu, tem jazida de minério de ferro rico (magnetitito) e de itaberito, que garantem, de acordo com a previsão da empresa, produção de 300 mil toneladas/mês por 30 anos, a partir das prospecções geológicas e análises de laboratório realizadas até agora.

O magnetitito chega a ter um porcentual de ferro entre 66% e 69% na rocha bruta. O padrão nacional IPT (Instituto de Pesquisa Tecnológica) é de 65,10%. "É o melhor do Brasil e do mundo", garante o prefeito Júnior Queiroz (PMDB). A jazida descoberta deve ser explorada em dois anos. Já o itaberito (porcentual de ferro entre 35% e 45%) existe em grandes proporções. As prospecções continuam.

Cerca de 550 pessoas foram contratadas pela mineradora e empresas parceiras e terceirizadas. O total do investimento foi de R$ 60 milhões, incluindo equipamentos e infra-estrutura, como a construção de 17 quilômetros de estrada que dá acesso à mina e instalação de um armazém no terminal portuário de Suape, no município metropolitano de Ipojuca, em Pernambuco.

O Rio Piranhas corta Jucurutu. Em uma das margens está a sede do município. Na outra, a 17 quilômetros, a Mina do Bonito. Uma ponte - obra do governo federal - ligando os dois lados do município foi iniciada há mais de 10 anos e ainda não foi concluída. Sem tempo para esperar, a mineradora criou seu próprio acesso para escoar o minério de ferro que começou a ser exportado para a China em janeiro, além de ferro-gusa para Pernambuco. Construiu uma passagem molhada de três quilômetros, por onde passaram 75 mil toneladas de minério de ferro embarcadas em Suape para a siderúrgica privada Hi Xin.

É a primeira vez que a China importa minério de ferro do Nordeste. A previsão da Mhag é de exportar 2,4 milhões de toneladas em dois anos. Para chegar à Ásia, o produto vai de rodotrem até Juazeirinho, na Paraíba. Dali, o minério de ferro é levado por ferrovia por mais 350 quilômetros até Suape, onde a Mhag ocupa uma área de 15 mil m2. O minério só chega à Hi Xin em 45 dias.

DE CANOA A segunda remessa do minério iria este mês, mas foi adiada por causa do aumento do nível do Piranhas, que derrubou parte da passagem molhada no início de março. Desde então os carregamentos - 4,6 mil toneladas a cada 24 horas - estão suspensos, embora a produção de 50 mil toneladas/mês tenha sido mantida. A empresa aguarda a redução do nível do rio para recuperar a passagem.

A destruição da passagem trouxe transtornos para todos. Funcionários, alimentos, material de limpeza, peças - tudo é transportado em canoas. Sobrou trabalho para os canoeiros, que trabalham das 4h30 até à noite. Mas não reclamam. Francisco das Chagas de Araújo, 35 anos, que "passava jogo do bicho" e fazia biscates, recebe, como todos, diária de R$ 25 "da firma". "São R$ 750 por mês", faz as contas, sorridente, ao iniciar uma viagem carregando cerca de 500 litros de água mineral.