Título: Moedas à beira de um ataque especulativo
Autor: Patrícia Campos Mello
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/04/2006, Economia & Negócios, p. B8

Crise financeira ronda Islândia, Nova Zelândia e Hungria

A coroa (krona) da Islândia, o dólar da Nova Zelândia (conhecido como kiwi) e o florim (forint) da Hungria são as novas celebridades do mundo financeiro. Nos últimos dias, essas moedas pouco conhecidas ganharam as páginas de vários jornais econômicos. Elas são as mais recentes vítimas de ataques especulativos. Islândia, Nova Zelândia e Hungria estão lutando para conter a desvalorização de suas moedas.

Apesar dos prognósticos favoráveis para o crescimento da economia mundial, o espectro das crises financeiras voltou a rondar os países emergentes. Em seu comentado blog, o professor de economia Nouriel Roubini, da New York University, apontou na semana passada os países mais vulneráveis a crises no momento. Além da Islândia, já atingida por turbulências, Hungria, Turquia, Nova Zelândia e Austrália são "bolas da vez".

O Brasil, desta vez, não está no olho do furacão. Com seus fortes fluxos comerciais e grande superávit em conta corrente, o País está menos sujeito a contágio em uma crise dos emergentes, diz Roubini. É bom lembrar que, na última vez, a crise asiática de 1998 se espalhou para a Rússia e depois contaminou o Brasil.

Atualmente, os mercados emergentes se dividem em três grupos: os que estão mais vulneráveis a crises financeiras, aqueles que corrigiram desequilíbrios e estão bem protegidos, e um terceiro grupo, que está no meio do caminho. "É aí que eu encaixo o Brasil", disse ao Estado Roubini, que é presidente da Roubini Global Economics.

"Minha maior preocupação é com países que têm grandes déficits em conta corrente, em grande parte causados por um boom do mercado imobiliário - é o caso da Islândia, Hungria, Nova Zelândia, Austrália e Estados Unidos." Países da Europa Central, como a República Tcheca, Polônia e Eslováquia também o preocupam.

No outro extremo, estão países bastante protegidos, como a Coréia do Sul e o Chile. Esses países tiveram grandes avanços nos fundamentos macroeconômicos desde a crise asiática, têm superávits em conta corrente, reduziram a dívida externa e têm grande nível de reservas.

"O Brasil está no meio", diz o economista. Superávit em conta corrente, avanços no setor fiscal, redução do endividamento em dólar e aumento das reservas são os pontos positivos, que deixam o País mais protegido contra um ataque especulativo. "Por outro lado, o Brasil tem fragilidades importantes: a taxa de crescimento é decepcionante e o País tem um enorme estoque de dívida de curto prazo", diz. "Além disso, a valorização excessiva do real pode ter efeito negativo na competitividade."

ALVO PERFEITO Por que Islândia, Turquia, Hungria e Nova Zelândia estão vulneráveis? Esses países acumulam grandes déficits em conta corrente, ou seja, precisam de fortes entradas de recursos estrangeiros para se financiar. Além disso, passaram por uma expansão exagerada de crédito e alguns estavam com as economias superaquecidas. Com a moeda sobrevalorizada, tornam-se alvo fácil do vilão da vez, o "carry trade". O "carry trade" é um nome novo para uma coisa antiga: arbitragem.

Com os juros dos países desenvolvidos em níveis baixíssimos, muitos investidores estão tomando dinheiro emprestado no Japão, União Européia e EUA a baixos custos e investindo em moedas ou títulos de países emergentes, que proporcionam grandes remunerações. Os hedge funds, especialmente voláteis, são muito ativos no "carry trade".

Diante de sinais de alta de juros nos países desenvolvidos ou vulnerabilidades nos emergentes, que podem levar à desvalorização, os investidores "desfazem sua posição" nos carry trades, isto é, tiram seu dinheiro dos emergentes para honrar compromissos (empréstimos) nos países ricos. Essa debandada causa flutuações violentas nas cotações das moedas e obriga os governos a elevar fortemente os juros.

"O Brasil é o alvo perfeito para o carry trade", diz Christian Stracke, estrategista de mercados emergentes da consultoria Credit Sights. "O diferencial de juros no Brasil é enorme - investidores captam a 4% e aplicam a 16,5%, trata-se de um ganho de 12,5 pontos porcentuais", diz . "Mas o real não foi atacado como outras moedas, pois os fluxos comerciais são enormes, não dá para especular com esses fluxos."