Título: Mantega mudou de lado
Autor: Celso Ming
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/04/2006, Economia & Negócios, p. B2

Em sua primeira entrevista depois de ser conduzido ao Ministério da Fazenda, o ministro Guido Mantega fez uma declaração esquisita.

Ao ser perguntado sobre se manteria a posição anterior, ou seja, a de uma queda de 2 pontos porcentuais na Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), respondeu que isso poderia mudar porque antes ele estava no BNDES e agora, "no outro lado do balcão".

Como se sabe, o resultado da reunião do Conselho Monetário Nacional foi de reduzir a TJLP em apenas 0,85 ponto porcentual, de 9,0% para 8,15% ao ano, e não, como antes queria Mantega, para 7,0% ao ano. Mas essa é outra história.

A declaração é esquisita porque parte do pressuposto de que o interesse público depende do lado em que esteja quem deve servi-lo.

A lógica manda dizer que não podem as duas posições antagônicas de Guido Mantega estarem certas. O interesse público não mudou porque Mantega virou ministro ou estava errado porque o ministro era outro.

Mesmo quando esteve no Ministério do Planejamento, mas principalmente enquanto foi presidente do BNDES, o ministro Guido Mantega foi um renitente crítico da política econômica comandada por Antonio Palocci. E raras oportunidades deixou passar de bater na política monetária (política de juros) do Banco Central. Agora, "do outro lado do balcão", Mantega trata de ajustar suas declarações ao que se espera de um ministro da Fazenda de um governo que optou pela ortodoxia na definição e no desempenho da política econômica. Fica, então, a pergunta sobre o que, afinal, o ministro Mantega entende por interesse público.

Houve quem testemunhasse que o petista Guido Mantega é um fiel seguidor das instruções superiores. Se o presidente Lula lhe pede para defender interesses específicos (como o de derrubar a TJLP a canetada), ele assim o fará, mesmo contrariando o ministro da Fazenda (o anterior), o Banco Central ou o Tesouro Nacional, que se esforçaram para demonstrar que subsídios dessa grandeza na TJLP distorcem a política monetária e exigem juros básicos (Selic) elevados demais.

Se o presidente pedir para fazer o contrário, ele também o fará. A partir daí pode-se perguntar se Mantega também reagia a estímulos do Palácio do Planalto quando se punha a malhar os juros escorchantes.

O ministro da Fazenda completou duas semanas no posto e até agora só deu demonstrações de que não vai apelar para velhos truques de mágica no desempenho da política econômica. Ao contrário, tudo tem feito para conquistar confiança. Jurou que preservará o superávit primário de 4,25% ao ano e que, em nenhuma hipótese, vai interferir na condução da política monetária do Banco Central. Mas isso ainda não fez dele o fiador da política econômica do governo Lula, como era Palocci.

A grande ameaça que paira sobre o desempenho da economia é a gastança federal. Em 2005, a despesa pública já havia saltado 10,1%, quase o dobro da inflação e mais de 4,4 vezes o avanço do PIB. Pois, só nos dois primeiros meses do ano, cresceu outros 10% em termos reais (descontada a inflação do período), conforme cálculos do professor Fábio Giambiagi, do Ipea. É preciso ainda esperar pelo final de abril para conferir esses resultados, porque a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) impõe graves restrições ao avanço quadrimestral das despesas federais.

Em todo o caso, como tantas vezes aconteceu, as premências eleitorais são de tal ordem que o governo Lula pode ceder à tentação de chutar de uma vez o balde e pôr a perder quase quatro anos de austeridade.

Nessa hora é que se verá que tipo de fiador o ministro Mantega será do interesse público.