Título: Clinton agora promove a caridade
Autor: Celia W. Dugger
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/04/2006, Internacional, p. A25

Ex-presidente reúne gente com dinheiro, influência e idéias para ações concretas contra pobreza e outros problemas

"Ajay, por favor, suba aqui!", disse Bill Clinton, chamando ao palco um executivo do Citigroup, Ajay Banga. Ali, diante de um auditório lotado de chefões corporativos, investidores milionários, líderes de organizações sem fins lucrativos e pessoas mais comuns, o ex-presidente americano incorporou confortavelmente, no dia 1.º, seu novo papel de promotor da filantropia.

Era a vez de Banga aproveitar o calor da aprovação de Clinton. Sob os auspícios da "iniciativa global" do ex-presidente, o Citigroup reservou US$ 5,5 milhões para apoiar a educação financeira dos pobres e prêmios que reconhecem criadores de programas inovadores para financiar microempresas. "Senhor presidente, continue em frente!", disse Banga, garantindo a Clinton o apoio do Citigroup. "Trezentos mil empregados estão com você."

A reunião no Jazz at Lincoln Center, em Manhattan, marcou seis meses desde que Clinton inventou um dos empreendimentos mais destacados de sua pós-presidência, a Iniciativa Global Clinton (CGI, na sigla em inglês). Ela junta pessoas com dinheiro, influência e idéias para falar de pobreza global, mudança climática e conflito religioso e étnico. O que a destaca entre outras conferências magnânimas é a insistência de Clinton de que os participantes não apenas discutam esses difíceis problemas, mas também façam algo concreto sobre eles - ou então não serão convidados novamente. Uma equipe de quatro funcionários trabalha em tempo integral no "gerenciamento de compromissos".

Desde o início do programa, numa conferência em setembro, quase 300 corporações, indivíduos e organizações sem fins lucrativos prometeram mais de US$ 2,5 bilhões para uma série de iniciativas beneficentes, dizem os funcionários. Alguns projetos teriam se concretizado de qualquer modo, mas Clinton estima que mais da metade é genuinamente nova.

"Cada vez mais pessoas me diziam o tempo todo: 'O que posso fazer? Diga-me algo que eu possa fazer'", contou o ex-presidente. "Eu simplesmente ouvia isso o tempo todo. Assim, aqui estamos, em Nova York. As Nações Unidas se reúnem aqui. Podemos juntar todo tipo de gente de todas as partes do mundo. Por isso, decidi organizar uma conferência sobre 'O que posso fazer?' E então tentar organizá-la todo ano por uma década."

Na platéia, várias pessoas testemunharam em microfones sobre o que haviam feito desde setembro, quando assumiram seus compromissos.

Bruce Charish, um cardiologista de Manhattan, fundou um grupo sem fins lucrativos, Doc to Dock, para enviar equipamentos e suprimentos médicos a hospitais e clínicas na África. "O simples prestígio de ser um compromisso da CGI abriu muitas portas corporativas", disse ele. Maria Otero, diretora da Acción, descreveu como sua organização sem fins lucrativos e outro grupo, Unitus, adotaram medidas para cumprir a promessa de oferecer pequenos empréstimos e outros serviços financeiros a milhões de pobres na Índia até 2015. "Quero lhe agradecer por nos mobilizar para fazer esse trabalho", disse ela a Clinton.

Nancy Kete, diretora da Embarq, criada com uma doação da Fundação Shell, trabalha com a cidade de Porto Alegre para desenvolver o transporte coletivo com ônibus que não poluam. "Se você se importa com a mudança climática, tem de se importar com os transportes", disse ela.

Uma fila de carros Mercedes e Lincoln pretos se formou na Rua 60 Oeste à medida que os convidados chegaram para um café da manhã com Clinton no Dizzy's Club. Mais parecia um coquetel, mas só com suco de laranja e café. Um duo de saxofone e piano tocava jazz e Clinton abraçava a filha, Chelsea.

Com uma vista panorâmica do Central Park, cerca de cem pessoas circulavam pelo recinto. Era uma amostra da vasta rede de relações de Clinton. O grupo incluía Mike Rienzi, um italiano importador de alimentos de Astoria. Ele contou que Clinton foi a seu evento recente, para angariar fundos para a pesquisa sobre a surdez, e ficou a noite toda. Era a primeira vez que Rienzi participava de um evento da Iniciativa Global Clinton. Ele disse que ainda não havia assumido nenhum compromisso. Mas acrescentou: "Tudo o que os Clintons fizerem terá meu apoio."

No outro lado da sala, Bernard Schwartz, presidente da Loral Space and Communications, e Lewis Cullman, um filantropo de 87 anos, conversavam. Ambos haviam participado da reunião de setembro e nenhum escolhera ainda um projeto para financiar. "Estou pronto para fazê-lo", disse Schwartz. "Estou certo de que, tendo dito isso, muitos baterão à minha porta. E serão bem-vindos."

Os convidados do café da manhã logo se misturaram às 500 pessoas que vieram para o evento principal, uma atualização sobre o progresso do programa. Ami Nahshon, líder da Abraham Fund Initiatives, organização sem fins lucrativos que promove a coexistência dos cidadãos judeus e árabes de Israel, espera encontrar patrocinadores para encorajar o desenvolvimento empresarial em comunidades árabes. Ele parecia bastante satisfeito por participar do evento. "É um pouco como um encontro de solteiros filantrópico", afirmou.