Título: Salários são fonte de pressão
Autor: Lu Aiko Otta
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/04/2006, Economia & Negócios, p. B1

O resultado primário do governo central em março mostrou substancial melhora em relação a janeiro e fevereiro, mas não eliminou a preocupação dos analistas quanto à política fiscal no último ano do mandato presidente de Luiz Inácio Lula da Silva. Mesmo com o desempenho mais forte em março, o superávit primário acumulado pelo governo central no primeiro trimestre caiu para 3,06% do PIB, comparado com 3,89% no mesmo período de 2005.

"Março foi, sem dúvida, melhor do que o início do ano, mas o resultado ainda mostra aumentos de gastos que terão impacto no resto de 2006", disse o economista Fábio Giambiagi, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), especialista em contas públicas.

Ele notou, por exemplo, que depois de recuar em 2003, e crescer pouco em 2004 e 2005, as despesas de pessoal subiram 8,6% em termos reais no primeiro trimestre de 2006, comparado com igual período de 2005, atingindo R$ 26,7 bilhões. Giambiagi acha que este aumento talvez derive de reajustes reais para diversas categorias, para repor perdas passadas para a inflação. As despesas de custeio e capital (investimento), por outro lado, aumentaram 10,4% em termos reais no primeiro trimestre de 2006, ficando em R$ 25,7 bilhões.

Alexandre Marinis, consultor da Mosaico Economia Política, em São Paulo, notou que o resultado de março foi fortemente influenciado pelo pagamento de dividendos por estatais, registrando R$ 1,4 bilhões, depois de ficar em apenas R$ 130,9 milhões em fevereiro.

Para Marinis, o aumento dos dividendos repassados pelas estatais para o Tesouro é um mecanismo discricionário, que permite ao governo melhorar o superávit primário em momentos de maior dificuldade na política fiscal. Ele acrescenta, porém, que "fica a questão se é o mais salutar do ponto de vista econômico", já que a programação de dividendos de uma empresa deve estar vinculada em primeiro lugar à melhor combinação entre investimentos e remuneração dos acionistas.

Em março, a Petrobrás repassou R$ 732 milhões de dividendos e o Banco do Brasil, R$ 512 milhões. No caso da Petrobrás, nota Marinis, este aporte deve ser neutralizado no resultado do setor público consolidado (o mais importante do ponto de vista fiscal), já que, teoricamente, entra como redução do resultado primário da estatal. Os dividendos do Banco do Brasil contribuem de fato para aumentar o resultado primário do setor público consolidado, porque as instituições financeiras estatais estão fora das contas públicas - na prática, é como se o governo estivesse recebendo recursos de uma entidade privada.

O superávit acumulado em 12 meses do governo central caiu de um pico de 2,99% do PIB em abril de 2005 para um mínimo de 2,47% em janeiro de 2006, e em março ficou em 2,54%. Uma das apreensões do mercado continua a ser a de que o resultado primário do setor público consolidado acumulado em 12 meses caia abaixo de 4,25% ao longo do ano.