Título: Chávez põe óleo na política externa
Autor: Juan Forero
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/04/2006, Internacional, p. A19

Presidente usa bilhões de petrodólares para financiar projetos em 30 países e firmar-se como líder regional anti-EUA

O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, está gastando bilhões de dólares da bonança do petróleo em projetos de estimação no exterior, a fim de consolidar seu governo esquerdista como um contraponto político ao governo conservador dos EUA.

Com o aumento de 32% no faturamento com o petróleo em 2005, Chávez tem subsidiado vários itens, como desfiles de escolas de samba no Brasil, cirurgia ocular para mexicanos pobres e até combustível de aquecimento para famílias americanas necessitadas, do Maine ao Bronx e à Filadélfia. Segundo algumas estimativas, os gastos já ultrapassam os US$ 2 bilhões que Washington reserva anualmente para programas de desenvolvimento e a guerra às drogas no oeste da América do Sul.

Os novos gastos dão mais poder a um líder que vem construindo de modo provocador um baluarte contra o que chama de desígnios imperialistas dos EUA na América Latina. Chávez ridiculariza com freqüência o presidente americano, George W. Bush. Em março, chamou Bush de "burro", "bêbado" e "covarde", desafiando-o a invadir seu país. Como a Venezuela tem as maiores reservas de petróleo fora do Oriente Médio, Chávez é mais que um fator de irritação. Ele caminha rápido para se tornar o próximo Fidel Castro, um herói das massas decidido a opor-se a cada iniciativa dos EUA - mas com uma vantagem importante. "Ele conseguiu fazer o que Fidel nunca pôde", disse Stephen Johnson, estudioso da conservadora Heritage Foundation. "Fidel nunca teve uma fonte de renda independente como a de Chávez. O venezuelano preenche um vazio que Fidel lhe deixou, liderando as nações não-alinhadas."

Não está claro quanto exatamente o governo já gastou, pois a petrolífera estatal, Petróleos de Venezuela, não divulga registros financeiros detalhados e seus balanços são livres de auditorias independentes. Os megaprojetos, como o plano utópico de Chávez de construir um gasoduto da Venezuela à Argentina através da Amazônia, provavelmente não sairão do papel. Mas Johnson estima que a Venezuela comprometeu US$ 3 bilhões em ajuda aos vizinhos em 2005, incluindo generosas compras de títulos que transformaram o governo de Caracas num emprestador de conveniência em todo o continente.

O Centro de Pesquisas Econômicas, firma de consultoria de Caracas, divulgou recentemente um estudo afirmando que Chávez gastou mais de US$ 25 bilhões no exterior desde que chegou ao poder, em 1999 - cerca de US$ 3,6 bilhões por ano. Já o Primeiro Justiça, importante partido da oposição venezuelana, calculou US$ 16 bilhões, baseando-se em declarações do próprio Chávez. O que está claro é que pelo menos 30 países, entre eles alguns tão distantes quanto a Indonésia, já receberam alguma forma de ajuda ou acordo preferencial.

O governo Chávez comprou US$ 2,5 bilhões da dívida argentina, declarou recentemente o ministro das Finanças, Nelson Merentes. Ele acrescentou que o país vende petróleo a preços reduzidos para 13 países caribenhos e comprou uma grande fatia dos postos de gasolina do Uruguai. Alguns projetos são bastante ambiciosos, como a planejada compra de 36 petroleiros brasileiros por US$ 3 bilhões. Outros são mais modestos, como a ajuda de US$ 3,8 milhões a quatro países africanos.

Os críticos vêem os gastos como um temerário exercício de decadência populista destinado a polir a imagem de Chávez como principal estadista da região, ao mesmo tempo perturbando o governo Bush, principal obsessão do líder venezuelano desde que funcionários americanos deram apoio tácito a um fracassado golpe contra ele em 2002. A Venezuela pode estar aproveitando a alta do petróleo, dizem eles, mas continua pobre e mal administrada.

Chávez "gasta somas consideráveis para se envolver na vida política e econômica de outros países na América Latina e em outros lugares, apesar das necessidades econômicas e sociais bem concretas de seu próprio país", afirmou John Negroponte, o diretor de Inteligência Nacional dos EUA, ao Congresso em fevereiro.

Antonio Ledezma, líder opositor venezuelano e um dos mais determinados inimigos do presidente, disse que o objetivo do governo é construir uma plataforma política com alcance internacional. "Ele quer disseminar suas idéias fora da Venezuela, na Colômbia, Peru, Equador, Bolívia", afirmou Ledezma em uma entrevista. "Seu instrumento é o petróleo."

Chávez celebra os gastos como uma generosidade revolucionária destinada a promover seu sonho de unificar a América Latina de um modo que Simón Bolívar só poderia ter imaginado. Em meados de março, em mais uma cerimônia anunciando o mais recente exemplo da generosidade venezuelana - um programa de venda de petróleo em condições preferenciais a prefeitos esquerdistas de El Salvador -, Chávez afirmou que seu país tem a obrigação de ajudar. "Eles são um movimento revolucionário", disse ele sobre os receptores da ajuda. "Temos uma obrigação para com seu povo."