Título: Processos contra sem-terra congestionam Justiça no Pontal
Autor: José Maria Tomazela
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/04/2006, Nacional, p. A12

Em outras partes do País, líderes do MST também colecionam inquéritos policiais, mandados de prisão e ações

Na região do Pontal do Paranapanema, no extremo oeste de São Paulo, inquéritos policiais e processos criminais contra lideranças do Movimento dos Sem-Terra (MST) já congestionam órgãos policiais e do Judiciário. São mais de 200 procedimentos, espalhados por 8 comarcas da região. Na maioria deles, os líderes são acusados de crimes como esbulho possessório, danos, furto, porte ilegal de arma e formação de quadrilha.

Na lista de indiciados ou réus aparecem figuras conhecidas nacionalmente, como José Rainha Júnior e sua mulher, Diolinda Alves de Souza. Também estão lá nomes de integrantes da coordenação nacional do movimento, como Paulo Costa Albuquerque e Clédson Mendes da Silva. Na semana passada, dois líderes regionais continuavam presos, acusados de descumprir ordens judiciais.

Quase todas as ações contras essas lideranças estão ligadas à questão fundiária. Decorrem de invasões de fazendas e prédios públicos, numa repetição do que ocorre em outras regiões do País, e atestam que é cada vez maior o contencioso legal entre os sem-terra e as autoridades.

Para onde quer que se apontem os indicadores é possível encontrar sinais dessa disputa. Em Pernambuco, o principal líder do MST, Jaime Amorim, diz que já perdeu as contas do número de processos e inquéritos nos quais aparece. "São pelo menos uns 25", diz o líder. No site do Tribunal de Justiça de Pernambuco, o nome dele figura em 14 processos - todos impetrados por usinas de açúcar e álcool, empresas agropecuárias e Ministério Público.

Em Minas Gerais, o líder Jorge Xavier de Almeida, que chefiou em 2002 a invasão de uma fazenda de familiares do presidente Fernando Henrique Cardoso, também diz ter perdido as contas de ações em que está envolvido.

ENFRENTAMENTO

Freqüentemente, os procedimentos legais nem passam dos inquéritos. Outros são barrados pelos Tribunais de Justiça. No conjunto, porém, atestam o contínuo enfrentamento entre certos líderes, cujos nomes se repetem nas ações, e as autoridades locais.

Em julho de 2003, durante uma palestra na cidade gaúcha de Canguçu, o coordenador nacional do MST, João Pedro Stédile, disse aos sem-terra que não deviam temer os fazendeiros, porque eram mais numerosos. "Será que mil perdem para um? É muito difícil. O que falta é nos unirmos, para cada mil pegarem um. Não vamos dormir até acabarmos com eles."

As autoridades locais entenderam aquilo como um incitamento contra os fazendeiros e moveram uma ação penal contra Stédile. Passados dois anos, o Tribunal de Justiça trancou a ação. Agora, Stédile volta à cena: na sexta-feira ele foi indiciado em inquérito policial, mais uma vez no Rio Grande do Sul, como mentor da invasão do laboratório da Aracruz Celulose, no dia 8 de março.

Entre todos esses personagens às voltas com a polícia e a Justiça, o mais emblemático é José Rainha - o líder do Pontal, que já chegou a ser preso por porte ilegal de arma. Parado numa blitz da polícia, ele assumiu a posse de uma espingarda calibre 12, encontrada sob o banco do automóvel. Por esse crime, pegou dois anos de prisão e ainda recorre da sentença.

Indiciado em 46 inquéritos e respondendo a uma dezena de processos, Rainha já teve vários mandados de prisão preventiva. No ano passado, juntamente com os líderes Clédson Mendes, Manoel Messias Duda e Sérgio Pantaleão, foi condenado a dez anos de prisão por furto, danos e formação de quadrilha, crimes que teriam sido praticados na invasão da Fazenda Santa Maria, em 2000.

Foram expedidos mandados de prisão, mas Rainha conseguiu liminar para aguardar o julgamento do recurso em liberdade. Em 2003, ele já havia sido condenado, desta vez na companhia de dez militantes, a dois anos e oito meses de reclusão por ter liderado invasões. O recurso também está pendente.

A última prisão do líder ocorreu em setembro do ano passado e foi determinada pela Justiça de Mirante do Paranapanema "para manter a ordem pública". Na ocasião, José Rainha anunciara uma série de invasões na região. Além do líder, já foram para a cadeia no Pontal sua mulher Diolinda e os dirigentes Felinto Procópio dos Santos (Mineirinho), Clédson Mendes, Edi Ronan Ribeiro e Wesley Mauch.

Entre abril de 2002 e maio de 2003, só na Comarca de Teodoro Sampaio foram expedidos 29 mandados de prisão preventiva contra membros do MST. Entre lideranças e militantes, ocorreram mais de 50 prisões no Pontal em dez anos.