Título: 'Traição é só uma vez¿, diz EBX
Autor: Kelly Lima
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/04/2006, Economia & Negócios, p. B5

Em retaliação à ameaça do governo boliviano de expulsar do país a empresa EBX ¿ que se preparava para investir US$ 330 milhões na construção de um complexo siderúrgico ¿, o empresário Eike Batista declarou ontem que suspendeu o empreendimento e também desistiu de construir duas usinas termoelétricas na divisa entre Bolívia e Brasil. As chamadas Termopantanal 1 e 2 seriam instaladas cada uma em um lado da fronteira e consumiriam o gás boliviano. ¿Nós nos sentimos traídos. E traição a gente só aceita uma vez¿, disse o empresário, que atua em mineração e energia no Brasil, Chile e Argentina.

As duas usinas já estão listadas junto à Empresa de Pesquisa Energética (EPE) para o leilão de energia nova que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) realizará em 12 de junho. Teriam fortes chances de ser habilitadas e concorrer na licitação por terem contrato com a Petrobrás-Bolívia para fornecimento diário de 1 milhão de metros cúbicos de gás natural. O lastro físico é condição eliminatória para que as usinas sejam levadas a leilão e as duas são raras exceções entre os cerca de 5 mil MW listados para serem habilitados.

O grupo EBX investiu US$ 6 milhões na construção de um ramal de dutos que liga as plantas ao gasoduto Brasil-Bolívia. ¿Não temos confiança de que esse contrato possa ser mantido diante do que estamos vendo. O presidente Lula teve como grande mérito no cenário internacional o fato de ter honrado todos os contratos. Foi um divisor de águas. Não é o que está acontecendo na Bolívia com todos os compromissos sendo desonrados¿, afirmou, completando que ¿não há como transferir as plantas, porque foram concebidas para operar especificamente naquela região, mas estamos dispostos a negociar o gasoduto já construído com algum grupo que queira correr o risco¿.

Ao contrário das usinas térmicas, o empresário afirmou que deve transferir os investimentos de US$ 330 milhões que seriam aplicados no complexo siderúrgico da Bolívia para outra localidade ainda não escolhida. As possibilidades analisadas estão entre os Estados do Amapá e Mato Grosso ou o Paraguai. A decisão será tomada nos próximos seis meses, quando ocorrerá o desmonte do empreendimento boliviano.

Segundo Batista, pelo menos US$ 60 milhões foram aplicados na instalação do primeiro de quatro fornos da siderúrgica, que estava apto a operar em março. Outro forno entraria em junho. Os demais tiveram a instalação abortada após as declarações do presidente Evo Morales no programa Roda Viva, que foi ao ar anteontem na TV Cultura. ¿Diante das declarações, não vemos chances de diálogo.¿

Em reuniões com cinco ministros bolivianos recentemente, Batista disse que foi tratado como ladrão. ¿Trataram-nos como usurpadores, apesar de estarmos fazendo tudo o que o presidente Morales sempre desejou, que é agregar valor à matéria-prima boliviana e fazermos tudo dentro da lei do país. Na prática, estamos pagando por termos chegado à Bolívia dez meses antes do atual governo assumir. Estamos pagando pelo que outros exploraram no país em 500 anos.¿

Segundo o empresário, dos US$ 60 milhões já investidos, US$ 40 milhões serão recuperáveis quando os fornos começarem a operar em outra localidade. Batista acredita que gastará mais US$ 20 milhões no desmonte e transferência para outra região.

O projeto da siderúrgica previa a construção de uma usina que usaria minério de ferro importado de uma mina de propriedade da empresa de Batista em Mato Grosso do Sul. A usina, disse, foi concebida para usar 340 mil m³ de gás natural por dia e representaria 20% do combustível necessário para o funcionamento da unidade.