Título: Alunos fantasmas
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Fonte: O Estado de São Paulo, 09/04/2006, Notas e Informações, p. A3

Ao confrontar os números do Censo Escolar de 2005 com os do novo Cadastro do Ensino Básico, cujos resultados preliminares acabam de ser publicados, o Ministério da Educação (MEC) constatou a existência de 13 milhões de alunos fantasmas. Segundo o Censo, o total de alunos matriculados em creches, pré-escola, ensino fundamental, ensino médio e educação de jovens e adultos é de 56,4 milhões. Mas, de acordo com o Cadastro, esse número é de apenas 43,4 milhões.

Parte integrante do Projeto Presença, adotado pelo MEC com o objetivo de controlar a freqüência dos estudantes nas salas de aula, o Cadastro do Ensino Básico reúne informações prestadas pela rede escolar pública e privada, registrando nome e idade dos alunos, o que permite às autoridades educacionais acompanhar a trajetória e o desempenho de cada um deles. Foi graças a essa iniciativa que, nos últimos seis meses, o governo conseguiu reunir informações sobre 43,4 milhões de estudantes e 2 milhões de professores. Dos 5.564 municípios, só 33 não enviaram dados de alunos e docentes.

Já o Censo Escolar é uma pesquisa declaratória, ou seja, elaborada com base em dados fornecidos pelos Estados e municípios. Como os resultados desse levantamento são usados pelo MEC para definir a distribuição das verbas federais para a merenda escolar e para o ensino fundamental, o ministro Fernando Haddad suspeita que os Estados e municípios inflaram o número de matrículas para receber repasses maiores. Essa é uma prática antiga que a União até hoje não conseguiu coibir.

Por isso, o governo pretende aproveitar o Cadastro do Ensino Básico, que é um levantamento mais preciso que o Censo Escolar, para distribuir os recursos da União destinados ao ensino básico e ao ensino médio, a partir de 2007. "Os recursos devem ser do aluno, não do sistema. Os dados do Censo estão superestimados. A ordem de grandeza não sabemos, mas podemos afirmar que é significativa", disse o ministro. O MEC pretende cobrar explicações dos governos municipais e estaduais sobre as informações por eles enviadas.

A criação do Cadastro escolar do Ensino Básico é uma das poucas iniciativas adotadas pelo governo, fora da área econômica, que parece ter dado certo. Ao proporcionar mais objetividade e transparência aos levantamentos estatísticos da área educacional, ela é decisiva para aumentar a eficiência dos gastos públicos no setor social. Com o Cadastro, explica o ministro, a distribuição de recursos federais entre os Estados e municípios poderá ser mais justa.

Desde o início do governo, as autoridades educacionais reivindicam mais recursos para o setor educacional, encontrando forte resistência da equipe econômica. Por diversas vezes, os técnicos do Ministério da Fazenda demonstraram, com números, que o problema do ensino no Brasil não está na insuficiência de verbas, mas no modo perdulário como elas têm sido gastas por Estados e municípios.

O maior embate foi travado entre 2004 e 2005, quando o então ministro Tarso Genro trombou frontalmente com o então secretário do Tesouro, Joaquim Levy, por causa dos projetos da reforma universitária e do Fundo de Desenvolvimento do Ensino Básico (Fundeb). Apesar de Levy ter afirmado na época que o Brasil já destinava à educação cerca de 5% do Produto Interno Bruto, o mesmo porcentual aplicado no setor por vários países desenvolvidos, o presidente Lula arbitrou o conflito entre o Ministério da Fazenda e o MEC, acolhendo o pedido de mais verbas.

De lá para cá, Tarso Genro deixou o MEC, o desastrado projeto da reforma universitária acabou sendo esquecido e o projeto do Fundeb ainda precisa ser votado pelo Senado. Surpreendentemente, embora tenha seguido o exemplo de seu antecessor, entoando a ladainha por mais dinheiro para a educação, em sua curta gestão o ministro Fernando Haddad concentrou seus esforços na melhor aplicação dos recursos já existentes. Desde então, vem conseguindo importantes resultados, entre os quais essa descoberta de mais de 13 milhões de alunos fantasmas, graças à criação do Cadastro do Ensino Básico, é auspicioso exemplo.