Título: A lógica do 'Chapeleiro Maluco'
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Fonte: O Estado de São Paulo, 09/04/2006, Notas e Informações, p. A3

É reveladora e preocupante a longa entrevista que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, concedeu ao jornal britânico Financial Times. Para ele, está tudo bem. As contas públicas estão sob controle, assim como a inflação, e a vulnerabilidade da economia brasileira foi reduzida. Os fundamentos da economia são sólidos, e por isso o Brasil nunca dispôs de uma combinação tão favorável de fatores para crescer de maneira segura e rápida.

O que espanta na entrevista - cujo resumo foi publicado pelo jornal inglês na edição de 1º de abril e cuja íntegra está na edição eletrônica, à qual têm acesso os assinantes desse serviço - é a demonstração de "quão precário é seu entendimento dos problemas com que terá de lidar no exercício do cargo que lhe foi confiado", como observou o economista Rogério Furquim Werneck, em artigo publicado no Estado na sexta-feira.

O ministro vê uma economia sem nenhum problema, nem mesmo na área pública. Para Mantega, não passa de fantasia tudo o que tem sido dito por economistas e publicado pela imprensa nos últimos meses a respeito da precariedade das finanças públicas, sobretudo as do governo federal.

Mas a realidade é preocupante. Entre 2003 e 2005, os gastos primários do setor público brasileiro (que não incluem despesas com juros e investimentos) aumentaram à média de 6,25% ao ano, em termos reais, isto é, já descontada a inflação. Sendo este um ano eleitoral e estando o governo e o presidente da República, notório candidato à reeleição que se recusa a admitir publicamente essa condição, acuados por pesadas acusações de corrupção, são imensos os riscos de que a situação se deteriore rapidamente.

Para que o crescimento ininterrupto dos gastos públicos não resulte em déficits cada vez maiores, o governo faz tudo para aumentar cada vez mais a arrecadação tributária. É a elevação da carga tributária que tem garantido, nos últimos três anos, superávits primários do setor público sempre maiores do que as metas fixadas. Mas o excesso de impostos asfixia a atividade produtiva e, assim, contém o ritmo de crescimento da economia.

Entre as grandes fontes de desequilíbrio das finanças públicas está a Previdência Social, cujas despesas representam fatias cada vez maiores do PIB. No período 1995-1998, os benefícios pagos pelo INSS corresponderam à média de 5,4% do PIB. No ano passado, alcançaram 7,5%. Esses números mostram, com clareza cristalina, que tal tendência não pode se manter por muito tempo sem resultar no colapso do sistema ou na asfixia da economia privada, se esta for, como tem sido, convocada compulsoriamente a sustentá-lo. É mais do que urgente uma nova e profunda reforma da Previdência.

Mas o ministro considera que as mudanças aprovadas no início do governo Lula foram suficientes para conduzir a Previdência Social no rumo da estabilização. "Não acredito que necessitamos de mais reforma", disse ao Financial Times. "O de que precisamos é de melhor gerenciamento."

Ainda que a questão se limitasse a gerenciamento, o problema estaria longe da solução, dada a qualidade gerencial demonstrada pelo governo do qual Mantega faz parte. Num ponto pelo menos, é forçoso reconhecer, há clara compatibilidade entre o governo e o ministro: ambos parecem incapazes de entender completamente o que se passa no mundo real.

É essa incapacidade que torna a entrevista "chocante", como a qualificou Werneck. "Mantega simplesmente se recusa a reconhecer o problema e se agarra a um argumento sem pé nem cabeça, que, entre outras coisas, evidencia dificuldades com o conceito de dispêndio corrente", escreveu o economista. "E tenta sustentar que o aumento de dispêndio federal advindo da elevação do salário mínimo e da ampliação de gastos sociais não deve ser considerado expansão de gasto corrente."

E, quando reconhece que o governo não conta com recursos suficientes para investir, o ministro vê a solução no investimento privado, mas "financiado com recursos do governo". É, como disse o economista, uma lógica "digna do Chapeleiro Maluco de Alice no País das Maravilhas".

E se tudo o que Mantega diz e faz estiver errado? "Pensaremos em alguma outra coisa", responde ele candidamente.

Não dá para ficar tranqüilo.