Título: Perdendo altura
Autor: Rogério L. Furquim Werneck
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/04/2006, Economia & Negócios, p. B2

Desde que foi investido em suas novas funções, Guido Mantega tem pedido que o País esqueça o que ele vinha dizendo nos últimos anos sobre política macroeconômica. Não vai ser fácil atendê-lo. Mais difícil ainda será esquecer o que Mantega anda dizendo agora, já como ministro da Fazenda. Na semana passada, em longa entrevista ao Financial Times - disponível na íntegra no site do jornal -, Mantega deixou mais do que claro quão precário é seu entendimento dos problemas com que terá de lidar no exercício do cargo que lhe foi confiado.

O que talvez seja mais chocante na entrevista é a longa resposta do ministro a uma pergunta sobre o rápido crescimento do dispêndio corrente do governo federal observado nos últimos anos. Uma questão importante, sobejamente analisada na imprensa há meses. Mantega simplesmente se recusa a reconhecer o problema e se agarra a um argumento sem pé nem cabeça, que, entre outras coisas, evidencia dificuldades com o conceito de dispêndio corrente. Alega que "dispêndio corrente é o que se gasta com a máquina do governo, viagens, móveis de escritório e computadores" (sic). E tenta sustentar que o aumento de dispêndio federal advindo da elevação do salário mínimo e da ampliação de gastos sociais não deve ser considerado expansão de gasto corrente.

Mantega também afirma na entrevista que não vê necessidade de nenhum esforço de reforma para conter a expansão do dispêndio público. Contrariando tudo que se sabe a respeito, alega que a reforma da Previdência, que era necessária, já está feita e que o sistema previdenciário está caminhando para a estabilidade. Bastaria melhorar a eficiência da gestão da Previdência e combater fraudes para compensar os efeitos da elevação do salário mínimo. Quando o repórter retruca que isso no máximo produziria melhora momentânea, fadada a perder importância com o tempo, à medida que o salário mínimo continuasse aumentando, Mantega responde, evasivamente, que mais adiante se poderia pensar no que fazer.

A certa altura da entrevista, o repórter indaga se, tendo em vista as dificuldades do quadro fiscal, haveria espaço para mais investimento. Na sua resposta, Mantega defende a adoção do modelo de financiamento de investimento que, aos trancos e barrancos, a ministra Dilma Rousseff tentou implantar no setor elétrico. E explica com entusiasmo a lógica do modelo, que, como se sabe, é digna do Chapeleiro Maluco de Alice no País das Maravilhas. Como o governo não conta com recursos para investir, a solução é recorrer ao investimento privado financiado com recursos do governo.

A entrevista não deixa espaço para ilusões acerca das idéias do novo ministro. Mas a economia está em franca recuperação, com contas externas sólidas e inflação baixa, convergindo para a meta. E Guido Mantega parece pronto a comemorar os frutos de anos de política macroeconômica sensata, ajudada pelos bons ventos da economia mundial, com ares de quem foi um dos responsáveis pelo sucesso. Não foi. Em 2001, ainda denunciava que a meta de superávit primário de 3% do PIB era "exagerada e suicida" e acusava o governo de ter posto em primeiro plano a garantia do pagamento aos credores. Já no governo Lula, de forma mais discreta a princípio e mais ostensiva depois, sempre se opôs à política macroeconômica. Teve papel importante no torpedeamento da proposta de ajuste fiscal de longo prazo, que vinha sendo discutida no governo no ano passado, e nas pressões que levaram ao afrouxamento da política fiscal dos últimos meses. Sua nomeação para o Ministério da Fazenda representa uma triste involução, que aponta para a prevalência no governo da corrente que jamais conseguiu entender que a questão fiscal é o grande desafio com que terá de lidar o País nos próximos anos.

A entrevista deixa patente que o nome de Mantega para ministro da Fazenda não teria sido boa escolha em nenhuma circunstância. Num ano eleitoral, com as contas públicas já fugindo ao controle, o mínimo que se pode dizer é que a escolha foi equivocada. E o pior é que já há na cúpula do PT quem se bata pela permanência de Mantega no cargo, caso Lula seja reeleito. Os mais propensos ao auto-engano deveriam pelo menos apertar os cintos.