Título: Real forte
Autor: CELSO MING
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/04/2006, Economia & Negócios, p. B2

Ontem, o dólar completou seu sexto dia útil consecutivo de baixa. Já não há mais sinal da estocada das cotações provocada pela crise política que derrubou o ministro Antonio Palocci. Apenas neste ano (até o fechamento de ontem, a R$ 2,13), a queda é de 8,4%.

Ainda há muito empresário e alguns analistas que reclamam da falta de ação do governo federal para reverter a trajetória do câmbio. Ontem, no Fórum Econômico Mundial, o presidente Lula desencorajou iniciativas voluntaristas: "Não vamos tornar a moeda mais fraca por decreto."

Mas, convenhamos, a gritaria contra o real valorizado já não é tão estridente quanto era há alguns meses. Dentro do governo, o maior crítico do tratamento que o câmbio vem recebendo do Banco Central era o ministro do Desenvolvimento, Luiz Furlan. Hoje parece conformado. Tem repetido que o único fator capaz de reequilibrar o câmbio é o aumento das importações, que ele prefere seja natural, simples conseqüência do aumento da atividade econômica, e não, como defendia o ex-ministro Antonio Palocci, obtido por meio de uma redução das alíquotas do Imposto de Importação.

Por paradoxal que possa parecer, nesse ponto, a opinião do "desenvolvimentista" Luiz Furlan parece coincidir com a do "ortodoxo" diretor de Política Econômica do Banco Central, Afonso Bevilaqua, que ontem, no seminário promovido pela Consultoria Tendências, avisou que o ajuste do câmbio acontecerá apenas quando as importações aumentarem e, dessa forma, concorrerem para reforçar a demanda de dólares.

Bevilaqua advertiu que a valorização do real diante do dólar é resultado, a um só tempo, dos soberbos resultados da balança comercial (exportações menos importações) e da melhora das bases da economia - e não dos juros altos, como afirmam tantos.

No entanto, nesse item, se é para esperar o salto das importações, as projeções do mercado não ajudam. O saldo comercial deste ano ainda ficará muito alto, em US$ 40 bilhões. Espera-se, ainda, mais entrada de capitais, seja por aumento dos investimentos de risco seja pelo maior interesse dos investidores estrangeiros por aplicações diretas em títulos do Tesouro Nacional. Isso parece indicar que o efeito do aumento das importações sobre as cotações não acontecerá tão cedo.

Há meses, o ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola defendia a derrubada dos juros, como via mais rápida para a recuperação do dólar no câmbio interno. No entanto, desde setembro de 2005, os juros caíram 3,25 pontos porcentuais, dos 19,75% ao ano para os atuais 16,50%, sem nenhum sinal de reversão de tendência no câmbio.

Afirmar que o Banco Central tem feito pouco para segurar as cotações é ignorar os números. Entre outubro de 2004 e fevereiro de 2006, o Banco Central comprou nada menos que US$ 31,6 bilhões em moeda estrangeira e o Tesouro Nacional, outros US$ 20,9 bilhões. Para que profundezas teria sido jogado o dólar se esses US$ 52,5 bilhões não tivessem sido retirados do mercado?

O último Relatório de Inflação traz a estimativa de que, ao final deste ano, as reservas estejam a US$ 57 bilhões, abaixo do seu nível atual, de US$ 60 bilhões. Isso sugere duas coisas: ou que o Banco Central não pretende forçar as compras de dólares ou que turbulências do período eleitoral exigirão venda. De todo modo, os fatores de valorização do real deverão persistir.

E, se é verdade que a trajetória declinante do dólar em relação ao real é determinada pela melhora dos fundamentos da economia brasileira, fica difícil apostar em que a mudança de tendências aconteça tão cedo: a inflação, sob controle, aponta para a meta de 4,5% ao ano; apesar da crise política e das tensões eleitorais que se avizinham, o prêmio de risco continua na casa dos 230 pontos; a vulnerabilidade externa está sendo revertida; e, agora, a economia promete um crescimento superior a 4% ao ano, como apontam as mais recentes projeções do Banco Central.