Título: 'Evangelho de Judas' é autêntico
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Fonte: O Estado de São Paulo, 07/04/2006, Vida&, p. A23

Especialistas da National Geographic atestam que única cópia já encontrada da narrativa é do século 3.º ou 4.º d.C.

O papiro de 1.700 anos em que foi manuscrito o Evangelho segundo Judas é autêntico. A informação foi divulgada pela direção da sociedade que edita a revista National Geographic. Não foi possível determinar a autoria. É a única cópia encontrada até hoje da narração alternativa, escrita sob o ponto de vista do discípulo que traiu o Messias em troca de 30 moedas de prata - segundo os quatro evangelhos reconhecidos por católicos, protestantes e ortodoxos.

O texto foi localizado no Egito em 1978, em Beni Masar, e data do século 3º ou 4º d.C. Submetido a uma bateria de testes, como prova de carbono 14, análise de tinta e imagem multiespectral, o achado foi considerado autêntico, afirmou Terry Garcia, vice-presidente da National Geographic Society.

No papiro escrito à mão em idioma copta (uma derivação do grego falada no Egito até a hegemonia árabe), o traidor Judas torna-se colaborador de Jesus no plano divino pelo qual o Filho de Deus teria de oferecer sua vida na cruz como sacrifício pela salvação da humanidade.

Judas apenas teria cumprido ordens do Mestre ao entregá-lo às autoridades do Sinédrio, o conselho de anciãos que regulava a vida religiosa na Judéia ocupada pelo Império Romano.

O texto começa com as seguintes palavras: "O relato secreto da revelação dita por Jesus em conversa com Judas Iscariotes". A passagem polêmica é a narrativa de Jesus dizendo a Judas: "Você vai superar a todos (discípulos). Pois você vai sacrificar o homem que me reveste".

O evangelho de Judas teria sido conservado pelos gnósticos, que acreditavam que a salvação viria de conhecimento secreto transmitido por Jesus a um círculo restrito de seguidores. O gnosticismo também ensinava que a matéria era essencialmente ruim e o espírito, essencialmente bom.

O evangelho de Judas foi mencionado pela primeira vez em um tratado teológico de Irineu de Lião, Contra as Heresias. No texto de 180 d.C., Irineu denuncia o texto como fantasioso.

"A descoberta de um manuscrito antigo é sempre importante, e neste caso, revela a diversidade de tendências nas origens cristãs", diz Pedro Vasconcelos, professor de Introdução ao Pensamento Teológico da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP). "Mas não traz novidade, porque se alia claramente à tradição gnóstica. É também fatalista, porque tira de Judas todo e qualquer livre-arbítrio."