Título: Dois pesos, nenhuma medida
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/04/2006, Nacional, p. A6

João Paulo agora pede limites à imprensa, mas nunca se queixou de omissões a seu favor

O deputado João Paulo Cunha atribui suas agruras à imprensa e, de fato, para ele e diversos outros petistas - como Luiz Gushiken e Tarso Genro, para citar os mais notórios defensores da adaptação do conceito de liberdade de expressão às respectivas conveniências - seria mesmo bem melhor que os veículos de comunicação estivessem hoje, como propuseram ao assumirem o poder, submetidos ao controle de um conselho de sindicalistas submissos ao governo - tipos que o PT cansou de chamar de pelegos quando militava no campo do bom combate.

João Paulo reclama dos excessos na divulgação de notícias, mas na realidade não tem do que se queixar, pois foi absolvido justamente por fatos apenas ligeiramente abordados pelos jornais e revistas, bastante condescendentes, aliás, quando sua excelência presidia a Câmara e reparos não impunha à atuação da imprensa; ao contrário, sempre se valeu de seus homens e mulheres de boa vontade para disseminar versões de seu interesse.

O ex-presidente foi beneficiado na votação de quarta-feira à noite primordialmente pelos favores que, no cargo, distribuiu à Casa, assumindo atitudes adequadas a um ensaio geral de Severino Cavalcanti.

Deu liderança a quem não tinha direito regimental (o Prona, por exemplo), ressuscitou o cargo de líder da minoria para agradar à oposição, fez contratações ao bel-prazer, distribuiu postos de comissionamento especial e partilhou as comissões permanentes entre os fiéis, tivessem eles ou não atributos ou apoio dos respectivos partidos para assumi-los. Não hesitou nem mesmo em negociar as funções a que o PT teria na Mesa diretora, apenas para melhor ampliar a partilha.

Disso praticamente não se falou enquanto João Paulo foi presidente e a respeito disso apenas foram ditas duas ou três coisas quando ficou claro que a política de boa vizinhança tinha por objetivo lhe assegurar o plano de mudar a Constituição para tentar se reeleger e, junto com José Sarney no Senado, passar mais dois anos no comando do Congresso.

Na época, boa parte, senão a maioria, da imprensa omitiu-se quanto à barbárie constitucional contida naquela tentativa de reeleição, fracassada por apenas cinco votos. Considerava-se muito natural João Paulo Cunha usar de todos os instrumentos disponíveis de poder em causa própria. Foi dito, até, depois, que se tivesse sido ele reeleito o governo estaria salvo pois não teria havido o advento Severino.

Não se detalhou o suficiente também - e disso o deputado não reclamou - o fato de João Paulo Cunha ser o presidente da Câmara por ocasião da ocorrência daquela cooptação financeira de parlamentares denominada mensalão. Ali, evitaram-se as óbvias ilações resultantes de seu poder, trânsito e influência internos.

Só veio o deputado a ser incomodado pela imprensa quando seu correligionário de base parlamentar, Roberto Jefferson, denunciou o esquema, a CPI dos Correios descobriu que ele tinha sacado R$ 50 mil das contas de Marcos Valério (seu publicitário de estimação para campanhas em geral, incluindo aquela sem concorrentes, em 2003), o deputado negou por escrito e depois mandou recolher o documento para subtrair do processo a prova da mentira.

É especialmente esquisito o ataque feito pelo deputado já sob o escudo da certeza da absolvição, porque meses antes, quando ainda se sentia inseguro, cuidou pessoalmente de fazer uma rodada de conversas com jornalistas a título de "retomada das relações com a imprensa", esta - na visão manifestada no discurso - instituição arrogante e leviana.

O tom de ironia aqui busca mascarar a existência de desatinos, erros e até desvios de natureza ética na conduta de profissionais da comunicação. Em todo esse episódio Palocci, aliás, há vários e mais adiante deverão merecer abordagem específica. Mas com estes, que envolvem jornalistas subtraídos de sua função primeira e imbuídos do espírito de ajudar o governo na consecução de estratagemas políticos fundados na ilegalidade, o deputado João Paulo não se revolta.

É assim mesmo que acontece com os democratas de fancaria: quando interessa à conveniência de plantão, a imprensa serve. Muitas vezes até como lavanderia de informação. Do contrário, torna-se um mal a ser combatido.

Chapa de aço

Muitas homenagens já se renderam ao senador Delcídio Amaral e ao deputado Osmar Serraglio, a dupla de comandantes da CPI dos Correios. Mas não é demais pontuar os acertos. Ambos integrantes da base governista, foram escolhidos para controlar, e de preferência manipular, os trabalhos da comissão.

A eleição dos dois, por um voto, foi considerada uma vitória da "chapa-branca" submissa ao oficialismo. Queimaram a língua os oposicionistas que votaram contra a escolha deles dois e atearam fogo às vestes os governistas porque, ao contrário do visto por aí, Delcídio e Serraglio deram prioridade à compreensão de que, não obstante políticos, são pessoas com nomes a zelar.