Título: Encha o seu tanque com açúcar
Autor: Niall Ferguson
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/05/2006, Economia & Negócios, p. B4

Os britânicos o chamam de petróleo; os americanos preferem chamá-lo de gasolina - um e outro estão com os preços nas alturas. Na semana passada, a gasolina atingiu US$ 3 o galão (3,78 litros) em algumas regiões dos Estados Unidos. "Coitadinhos", diriam os britânicos. Dirigindo pela M40 na sexta-feira, passei por postos de gasolina que vendiam gasolina comum sem chumbo a 97,9 pence o litro, o que resulta em US$ 6,62 por galão. Se algum posto britânico oferecesse gasolina aos preços americanos - 44 pence por litro - haveria uma fila to tamanho da M40.

Durante anos, o Reino Unido impõe tributação muito mais alta sobre os combustíveis fósseis que os Estados Unidos. É claro que não é culpa de Gordon Brown que o preço da gasolina tenha subido bruscamente desde que ele assumiu o cargo. O petróleo bruto nos mercados futuros atingiu preço recorde de US$ 72,49 o barril na semana passada, seis vezes o preço que os produtores pediam em dezembro de 1998.

As explicações para os altos preços se repetem - e esta semana elas foram citadas, junto com alguns motivos novos. "Não estamos lidando com a economia normal de oferta e procura", explicou lorde Browne, o diretor-presidente da BP (British Petroleum). "A atividade financeira nos mercados de petróleo" empurra os preços para cima, explicou um executivo do petróleo, numa referência velada aos fundos hedge.

Os políticos americanos deram uma versão menos sutil. Democratas culparam o presidente Bush por ser muito "íntimo da indústria petrolífera". Os que antes argumentavam que Bush invadiu o Iraque para baratear o petróleo agora dizem que, na verdade, foi para torná-lo mais caro.

Estou surpreso de que ninguém ainda tenha posto a culpa no vice-primeiro-ministro britânico, John Prescott, famoso por manter dois Jaguares - um para cada uma das mulheres de sua vida.

Este jogo de culpa é uma farsa. O preço do combustível está alto precisamente por causa da lei "da oferta e da procura", como lorde Browne sabe muito bem. A demanda global pelo petróleo subiu cerca de 40% nos últimos 20 anos. E como é freqüente nos últimos tempos, a China representa papel crucial. Nos últimos 5 anos, os países do G7 responderam por apenas 15% do crescimento da demanda global. A China responde pelo dobro disso.

O grande aumento da demanda coincide com a estagnação da oferta. A capacidade de refino global cresceu muito pouco e levou um grande golpe com os furacões do ano passado. Neste ínterim, a instabilidade política em alguns dos principais países produtores de petróleo - Iraque, Nigéria e Venezuela - fez com que os operadores de commodities e investidores inteligentes ficassem pessimistas em relação ao abastecimento futuro. E não vamos deixar de lado a possibilidade de ataques aéreos dos Estados Unidos contra o Irã. Não seria uma especulação apostar numa alta dos preços futuros da gasolina.

Estaremos prestes a reviver a década de 1970, a última vez em que os preços da gasolina estiveram tão altos em relação a outros preços ao consumidor? A boa notícia é que, graças ao aumento de eficiência e à redução da indústria, as economias do G7 dependem hoje menos do petróleo do que naquela época. Nem é provável que os preços do petróleo tragam de volta a estagflação - baixo crescimento com inflação alta.

Há dois problemas relativos aos altos preços do petróleo. O primeiro é político - eles enriquecem as pessoas erradas. Mas o problema mais grave é ambiental. Não concordo com os que acham que o aquecimento global não está acontecendo ou não tem importância. Durante 400 mil anos, a concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera mundial variou entre 180 a 280 partes por milhão (ppm). No ano passado, atingiu 380 ppm. É indiscutível a elevação da temperatura global. Ninguém sabe quais os efeitos disso. Mas só um tolo pode achar que não haverá efeitos.

Os altos preços do petróleo, porém, não impedem as pessoas de comprarem veículos bebedores de gasolina. Americanos compram Hummers mesmo com o galão de gasolina a US$ 3. É fácil saber o motivo. Os americanos costumam percorrer grandes distâncias para ir tabalhar e você quer conforto no caminho. O utilitário esportivo é, na verdade, parte veículo, parte casa. Mas, se as pessoas não acreditam que o aquecimento global afetará sua vida - e as pesquisas de opinião mostram que não acreditam - então, o risco da alteração climática simplesmente não existe.

Então, o que deve ser feito? Haverá alguma maneira melhor de nos locomovermos por aí do que extrair petróleo do solo, refiná-lo e pô-lo para queimar em motores de combustão interna? A resposta é sim.

Tenho concordado com Homer Simpson de que o álcool é a solução (e a causa) da maioria dos problemas da vida. Neste caso, o álcool é a resposta - para ser mais preciso, a forma de álcool conhecida como etanol, derivada de plantas como a cana de açúcar.

Sem que o Hemisfério Norte tome nota, um país promove uma revolução trocando a gasolina pelo álcool. Este país é o Brasil. Hoje, o etanol responde por 40% do combustível automotivo no Brasil e 80% dos novos carros brasileiros são bicombustíveis - usanto tanto gasolina como etanol.

Teoricamente os combustíveis de "biomassa" - derivados de carboidratos e não de hidrocarbonetos - poderão substituir quase todos os combustíveis baseados no petróleo do mundo. Haverá alguns custos ambientais, sem dúvida, mas isso reduzirá bastante as emissões de CO2.

O que impede que o Hemisfério Norte siga o exemplo do Brasil? As grandes empresas petrolíferas são parte da resposta. a maior parte dela é a pequena agricultura. Para proteger os produtores de açúcar do Hemisfério Norte, Estados Unidos e União Européia impõem tarifas pesadas sobre as importações do etanol brasileiro.

Nem mesmo um mundo de livre comércio perfeito converteria a humanidade a formas mais prudentes de propulsão. Incentivos fiscais também são necessários para encorajar as pessoas a comprarem veículos bicombustíveis. A tributação no estilo britânico sobre a gasolina não vai impedir os americanos de dirigirem Hummers. Mas ajudará a financiar a transição para o carro do futuro - os Hummers Verdes movidos a álcool.

* Niall Ferguson é professor de História da Universidade Harvard e colunista da Wyllie Agency