Título: 'Meta iraniana é dialogar diretamente com EUA'
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Fonte: O Estado de São Paulo, 12/04/2006, Internacional, p. A18

Para especialista, Irã quer armas atômicas, mas aceitaria congelar plano se Bush desse garantias de que não atacará o país

Maria Teresa de Souza

Ehsan Ahrari, consultor na área de defesaEntrevistaHá muito mais em jogo na disputa sobre o enriquecimento de urânio pelo Irã do que o risco de o país vir a ter armas nucleares, avalia o consultor em defesa americano Ehsan Ahrari, especialista em Oriente Médio, Sul e Sudeste da Ásia. Os EUA querem evitar a todo o custo que o Irã tenha armas nucleares. Rússia e China não pretendem apoiar medidas duras e não estão gostando mesmo é do atual mundo unipolar. Ahrari lecionou estratégia em faculdades militares dos EUA e é diretor da consultoria Strategic Paradigms, da Virgínia.

O que o presidente Mahmud Ahmadinejad pretende ao fazer esse anúncio às vésperas da visita do diretor da AIEA, Mohamed el-Baradei, a Teerã? Isso é uma tática do Irã para pressionar por negociações diretas com os EUA. Acho que o Irã provavelmente congelaria seu programa de enriquecimento de urânio se obtivesse garantias dos EUA de que não atacarão o país nem tentarão mudar o regime de governo. Também querem incentivos financeiros da União Européia para sua economia. Buscam negociações multilaterais, como as que a Coréia do Norte iniciou e hoje estão paradas.

Essas garantias parecem pouco para o Irã abandonar a tecnologia. Os líderes do Irã realmente têm medo de uma ação militar do governo Bush. Os EUA já têm tropas nos vizinhos Iraque e Afeganistão. Mas eu não acho que um ataque ocorreria no curto prazo, nem que seria por terra. Seria aéreo, com forças especiais e limitado às instalações nucleares.

O jornalista Seymour Hersh escreveu esta semana na revista 'New Yorker' que os EUA já preparam um ataque aéreo. Isso seria possível num momento em que os EUA estão atolados nos conflitos no Afeganistão e Iraque? Tenho certeza de que Seymour está correto. E Bush, Condoleezza Rice e Dick Cheney já disseram que todas as opções estão na mesa. É certo que os EUA estão numa situação difícil no Iraque e Afeganistão. E eu acho que o governo iraniano quer fabricar armas nucleares. De qualquer modo, não creio que um ataque dos EUA seja iminente.

O Irã só aceitaria congelar o enriquecimento de urânio, mas não desistiria dele. O Irã está cercado de potências nucleares: Rússia, China, Índia, Paquistão. Por isso, acho que também quer a bomba. Há estimativas de que isso levaria uns dez anos. Acho que seriam de quatro a oito. Os iranianos desenvolveram tecnologia para produzir urânio enriquecido. Agora que chegaram a isso, é questão de tempo.

Rússia e China têm laços comerciais com o Irã e se opõem a sanções ou mesmo ameaças de medidas duras contra o país no Conselho de Segurança. Um Irã com armas nucleares também preocupa esses países? Eles não teriam medo disso. E pode ser até que já tenham transferido conhecimentos para o Irã, especialmente a China. A China não gostou do acordo nuclear firmado pelos EUA com a Índia, citado como uma estratégia para conter Pequim. E a Rússia está irritada com a interferência cada vez maior dos americanos em sua área de influência na Ásia Central. Nenhum dos dois está gostando do mundo unipolar. É improvável que apóiem medidas duras do Conselho.

Estamos vendo uma repetição do período prévio à guerra do Iraque? Os EUA não terão o apoio do Conselho e agirão por conta própria? É uma situação muito semelhante. O uso da força não está descartado porque Bush reiterou em seu último documento sobre estratégia de segurança nacional, em março, que os EUA se reservam o direito de ações preventivas.

Acha possível negociações diretas entre o Irã e os EUA? Sou cautelosamente otimista. A Alemanha propôs isso. Mas não se pode esquecer que os neoconservadores estão no poder nos EUA e eles não aceitarão que o Irã tenha tecnologia que leve a armas atômicas.