Título: A Justiça se redime
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Fonte: O Estado de São Paulo, 05/05/2006, Notas e Informações, p. A3

Em julgamento que demorou 11 horas e foi realizado um dia antes do término do prazo para a prescrição do caso, a 5ª turma do Tribunal Regional Federal (TRF) de São Paulo decidiu, por unanimidade, punir de modo exemplar os principais envolvidos no desvio de R$ 169 milhões das obras do Fórum Trabalhista da capital. Além de aumentar a pena do ex-juiz Nicolau dos Santos Neto, a corte condenou o ex-senador Luiz Estevão e os empresários Fábio Monteiro de Barros Filho e José Eduardo Teixeira Ferraz, sócios da construtora envolvida na negociata e que, apesar das provas documentais, haviam sido absolvidos na primeira instância.

Pela decisão do TRF, os quatro foram condenados pelos crimes de peculato, estelionato qualificado, corrupção ativa e passiva, formação de quadrilha e falsidade ideológica. Além da pena de prisão, que foi fixada em 26 anos e meio para Lalau, 27 anos e 8 meses para Teixeira Ferraz e 31 anos para Monteiro de Barros e Luiz Estevão, eles perderam os bens e ainda terão de pagar multas que totalizam R$ 5 milhões. O ex-juiz Nicolau, que coordenou as obras superfaturadas, já vinha cumprindo pena domiciliar e os outros três só não foram para a cadeia, após o julgamento, porque recente jurisprudência firmada pelo Superior Tribunal de Justiça lhes permite recorrer em liberdade até a sentença final.

O parecer da relatora do processo, desembargadora Suzana Camargo, teve 600 páginas. A punição exemplar "se faz necessária pela magnitude da lesão causada, os valores elevados, o dano ao erário e o fato de os réus serem dois empresários, um juiz e um político, pessoas esclarecidas. Os crimes foram movidos pela ganância, a busca do lucro fácil e o dinheiro público em jogo, tudo em detrimento do Tesouro", disse ela. "Lamento que fatos assim ocorram no País. Como coibir a corrupção? Com fiscalização mais objetiva e efetiva", inclusive do próprio Judiciário com relação aos seus integrantes, concluiu a relatora. "A condenação foi uma resposta da Justiça à sociedade, no momento de crise por que passam as instituições", aplaudiu a promotora responsável pela acusação, Janice Ascari.

A menção por ela feita à "crise das instituições" não é retórica. Quando o escândalo do desvio de R$ 169 milhões das obras do Fórum Trabalhista da capital veio à tona, ficou evidenciada a ineficiência das corregedorias das instituições judiciais. Encarregadas de promover o controle interno dos tribunais, elas são dirigidas por juízes que, por motivos corporativos, freqüentemente tendem a ser lenientes ao fiscalizar seus pares e puni-los por eventuais irregularidades.

Foi por isso que Lalau, ex-presidente do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, conseguiu agir com desenvoltura na montagem de uma sofisticada quadrilha. O audacioso esquema de corrupção por ele montado só foi descoberto por denúncias da imprensa. Se as corregedorias judiciais fossem mais eficientes e menos vulneráveis a pressões corporativas, o ex-juiz Nicolau teria sido flagrado assim que começou a desviar dinheiro público e imediatamente afastado de suas funções.

Outra importante faceta da "crise das instituições" revelada por esse caso é a sentença que foi reformada pelo TRF de São Paulo. De autoria de Casem Mazloum, na época titular da 1ª Vara Federal, ela desprezou provas lícitas relativas à remessa do dinheiro desviado das obras do Fórum Trabalhista para contas dos réus no exterior, limitando-se a condenar Lalau apenas pelos crimes de tráfico de influência e lavagem de dinheiro.

Também aí as corregedorias do Judiciário falharam, não tendo detectado graves irregularidades cometidas por Mazloum e outros notórios juízes federais, como João Carlos da Rocha Mattos, no exercício de suas funções. Os dois só foram afastados depois que as irregularidades foram descobertas pela Operação Anaconda, realizada pela Polícia Federal em 2003.

A decisão do TRF nesse caso é histórica. Além de reformar a absurda sentença de Mazloum, punindo os quatro réus de modo exemplar, a 5ª turma da corte não se deixou levar pelo corporativismo e ainda reivindicou à Justiça fiscalizações mais eficientes e objetivas com relação aos seus próprios integrantes.