Título: A agonia da Varig
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/04/2006, Notas e Informações, p. A3

Quando assumiu o governo, em janeiro de 2003, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva instruiu seus ministros a encontrar uma solução para a crise da Varig, que já estava em adiantado estado de insolvência. Para o presidente, a Varig era um símbolo que marcava, com grande evidência, a presença do Brasil no exterior. Quase três anos e meio depois, o presidente Lula mudou de opinião: "Não cabe ao governo salvar empresa falida."

Há cerca de 10 anos que a Varig está em crise. Todas as tentativas de saneamento financeiro e administrativo da empresa - que poderiam ter sido bem-sucedidas quando os primeiros problemas apareceram, à semelhança do que aconteceu com outras empresas de transporte aéreo - foram condenadas ao fracasso, não porque fossem inviáveis, mas porque contrariavam os interesses de grupos que controlavam a Varig, não abriam mão de suas posições e acreditavam que o governo, na undécima hora, salvaria a empresa.

E, assim, a crise se tornou crônica a ponto de a Varig produzir sucessivos déficits operacionais num período em que o setor cresce à razão de 20% ao ano. No ano passado, a empresa entrou com um pedido de recuperação judicial, baseado na nova Lei de Falências. E isso só foi possível porque o Congresso, durante a votação da lei, incluiu no projeto, contrariando a opinião da equipe econômica do governo, um dispositivo que estendia os benefícios da recuperação judicial a empresas concessionárias de serviços públicos, feito sob medida para o caso da Varig. Nem assim, com todas as vantagens que a lei faculta à empresa em estado falimentar, a Varig deixou de acumular prejuízos.

A situação da empresa, agora, é mais crítica do que nunca. Pelo menos 21 de uma frota de 75 aviões estão parados por falta de manutenção. O atraso e o cancelamento de vôos tornaram-se uma rotina, primeiro, nos aeroportos nacionais e, depois, nos internacionais, onde a empresa tem a sua maior e mais garantida fonte de rendimentos. O pouco capital de giro que permite a sobrevivência é obtido porque a Varig deixa de pagar, todos os meses, entre US$ 30 milhões e US$ 40 milhões às empresas de leasing - situação que não pode durar indefinidamente. As tarifas aeroportuárias não são pagas há sete meses. As taxas de embarque foram retidas durante dias, até que alguém lembrasse a diretoria de que isso constitui crime de apropriação indébita. Os salários são pagos com grande atraso e em parcelas. Os serviços de terra e de bordo são uma pálida sombra do que foram.

Tudo isso se reflete nas decisões dos viajantes. Várias agências de viagens só vendem passagens da Varig se o cliente assinar um termo de compromisso, assumindo a responsabilidade por eventuais prejuízos. E, com isso, cai a receita.

O passivo da empresa é monumental. Pelas contas da Varig, é de R$ 7 bilhões; pelas do governo, de R$ 8 bilhões; pelas de alguns credores, de R$ 10 bilhões - e o menor desses números excede, de muito, o patrimônio da Varig.

Uma empresa, nessas condições, não consegue comprador e os sócios em perspectivas que surgem não apresentam propostas que levem ao saneamento da empresa. Geralmente, sugerem a divisão da Varig, ficando a parte operacional - que pode gerar receitas - com eles e a outra parte, com todas as dívidas e ônus, para atender os credores. E é óbvio que os credores não aceitam essas fórmulas criativas.

Há dias, funcionários e sindicalistas propuseram a retirada de US$ 100 milhões a US$ 150 milhões do fundo de pensão Aerus, para recuperar os aviões parados e indenizar 2,9 mil funcionários que seriam demitidos. No dia seguinte, a Secretaria de Previdência Complementar decretou intervenção no Aerus - que é credora de R$ 2 bilhões da Varig - tanto para impedir a dilapidação de um patrimônio que é a garantia da aposentadoria de milhares de pessoas como para corrigir irregularidades que vinham sendo detectadas desde 2001.

Dificilmente a Varig tem salvação. O governo agiu corretamente, não permitindo que os funcionários que foram em grupo a Brasília de lá saíssem com a ilusão de que haveria um resgate de última hora com dinheiro público. Ao governo cabe, agora, fazer planos de contingência para evitar que a eventual cessação dos serviços da Varig prejudique a economia nacional.