Título: Nova sangria no Tesouro
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Fonte: O Estado de São Paulo, 14/04/2006, Notas e Informações, p. A3

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, aceitou a inclusão, no Orçamento federal, de R$ 3,9 bilhões para os Estados, a título de compensação de "perdas" causadas pela Lei Kandir, com uma condição: que a lei orçamentária seja aprovada na terça-feira. Esse valor é R$ 500 milhões maior que a verba anteriormente prevista. Na terça-feira, seis governadores, depois de horas de reuniões em Brasília, haviam conseguido o aumento. Na quarta, o ministro ameaçou recuar, alegando que o acordo já não valia, porque a proposta orçamentária não fora votada na noite anterior. No dia seguinte, voltou a ceder. Foi uma notícia ruim para quem se preocupa com a saúde financeira do setor público.

Para se manter a despesa total, haverá um corte de R$ 500 milhões no custeio do governo, segundo o relator do projeto de lei do Orçamento, deputado Carlito Merss (PT-SC). Falta saber como essas despesas serão cortadas. A maior parte do custeio faz parte da rotina, cresce por inércia e não se espera um choque de gestão neste ano. Quanto às despesas dos Estados, tenderão a crescer, por causa das eleições, e o dinheiro transferido pela União certamente não será poupado.

Os governadores tentaram inicialmente obter R$ 5,2 bilhões, o mesmo valor do ano passado, como ressarcimento pelos efeitos da Lei Kandir. Essa lei, aprovada em 1996 e aplicada a partir do ano seguinte, isentou do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, o principal tributo estadual, as exportações de bens primários e semi-elaborados.

Nos primeiros tempos, a mudança deveria ocasionar alguma perda aos Tesouros estaduais. Segundo a lei, haveria compensação até 2002, se a receita estadual diminuísse. Pressões de governadores, no entanto, resultaram na alteração da lei, alguns anos depois. O ressarcimento foi prorrogado, embora se possa duvidar das perdas alegadas.

No ano passado, foi incluída no Orçamento, como compensação garantida, uma verba de R$ 4,3 bilhões. Outros R$ 900 milhões ficaram condicionados a um possível excesso de arrecadação federal e só foram liberados no fim do ano.

Para o Orçamento de 2006, o governo federal previu uma verba de R$ 3,4 bilhões. Os governadores poderiam receber mais R$ 1,8 bilhão, novamente na dependência da arrecadação verificada durante o ano.

Houve reação e muitas pressões. Os governos estaduais ameaçaram suspender o pagamento dos créditos fiscais devidos a exportadores. Diante disso, dirigentes empresariais passaram a apoiar os governadores em sua campanha para o aumento da verba.

Parlamentares ameaçaram não votar o Orçamento enquanto o Tesouro Nacional não cedesse. Pressionado, o governo aceitou garantir R$ 3,9 bilhões. Um valor adicional de R$ 1,3 bilhão - totalizando R$ 5,2 bilhões - seria condicionado à evolução da receita. Mais uma vez, portanto, o Executivo federal fraquejou diante de um movimento articulado para extrair dinheiro do Tesouro. Sua base parlamentar não foi capaz de apoiá-lo numa questão de grande importância financeira.

Algo semelhante ocorreu, há pouco tempo, quando se aprovou no Congresso uma ampla renegociação das dívidas agrícolas do Nordeste. Ficou para o presidente o custo político de vetar a lei. No Parlamento, grupos se articulam, agora, para derrubar esse veto e poderão consegui-lo, se a base governista não se mexer com um pouco mais de empenho.

Os gastos federais já aumentaram de maneira preocupante nos primeiros meses de 2006, mesmo sem haver um Orçamento aprovado. Em janeiro e fevereiro o governo realizou apenas 8,7% da meta fiscal prevista para o ano, um superávit primário equivalente a 4,25% do Produto Interno Bruto. Entre 2001 e 2005, a média observada no bimestre foi 18%.

Alcançar a meta será mais difícil em 2006 do que em qualquer outro ano desde 1999, comentou o economista Alexandre Marinis, da Mosaico Economia Política, do Rio de Janeiro. Vários outros economistas têm feito advertências semelhantes e técnicos do Ministério da Fazenda já deram sinal de preocupação. Segundo um de seus cálculos, o governo federal poderá ser forçado a congelar R$ 22,4 bilhões nos próximos meses, para não se desviar do objetivo fiscal. A cada dia a preocupação se torna mais justificada.