Título: Cheney faz duras críticas à Rússia
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Fonte: O Estado de São Paulo, 05/05/2006, Internacional, p. A15

O vice-presidente dos EUA, Dick Cheney, expressou ontem a mais forte reprimenda da administração Bush à Rússia até agora, dizendo que o governo russo "restringiu" os direitos do povo. Cheney acusou a Rússia de fazer uso de seus recursos de petróleo e gás como "instrumentos de intimidação ou chantagem" contra outros países.

"Em muitas áreas da sociedade civil, desde a religião até a mídia, dos grupos de defesa de interesses aos partidos políticos, o governo restringe de forma injusta e inadequada os direitos de seu povo", disse Cheney num discurso em uma conferência na capital da Lituânia, Vilna. O encontro reuniu líderes de nove ex-repúblicas e ex-satélites soviéticos ao longo da fronteira ocidental da Rússia, assim como EUA, União Européia e a Otan. A Rússia não foi convidada.

Os comentários de Cheney, que autoridades de Washington disseram que refletem o atual pensamento do governo, parecem estabelecer novo parâmetro para a relação com Moscou, que se tornou tensa e poderá piorar nos próximos meses. As críticas ocorreram em meio a um embate no Conselho de Segurança da ONU por causa do programa de energia nuclear do Irã. Apesar de Cheney não ter mencionado o Irã no seu discurso, suas críticas parecem refletir a crescente impaciência dos americanos com a falta de disposição da Rússia em apoiar medidas mais fortes contra os iranianos.

A China, cujo presidente Hu Jintao visitou a Casa Branca em abril, também se opõe a sanções e não tem um regime democrático. No entanto, o governo americano não tem usado o mesmo tom com Pequim.

A declarações de Cheney são uma mostra da crescente tensão antes da reunião entre Bush e o presidente da Rússia, Vladimir Putin, prevista para antes da reunião do Grupo dos Oito - as sete principais democracias industriais e mais a Rússia - em julho, em São Petersburgo. Algumas autoridades e políticos de Washington pediram a Bush que boicote a reunião como um sinal de insatisfação com o curso antidemocrático de Putin.

Dmitri S. Peskov, porta-voz do Kremlin, contestou as observações de Cheney, qualificando-as de infundadas e "completamente incompreensíveis". Mas disse que isso não irá prejudicar a cúpula. "As relações entre os dois presidentes são muito mais construtivas do que essas declarações", disse. Para Stephen Sestanovich, assessor do governo Bill Clinton, é provável que o discurso enfureça Putin.

Hoje EUA e Rússia raras vezes pareceram mais divergentes desde o fim da guerra fria. Suas disputas incluem desde as eleições nas ex-república soviéticas como Ucrânia e Bielo-Rússia (onde os EUA apoiaram a oposição liberal e a Rússia, os regimes estatizantes) até o uso de recursos energético para fins políticos.

"Nenhum interesse legítimo é atendido quando o petróleo e o gás se transformam em instrumentos de intimidação ou chantagem, seja pela manipulação do fornecimento seja pelas tentativas de monopolizar o transporte", disse Cheney, referindo-se ao breve corte de fornecimento de gás natural russo para a Ucrânia no Ano Novo.

Cheney reiterou a reprovação dos EUA ao governo da Bielo-Rússia, onde o presidente Aleksandr Lukashenko, aliado de Putin, foi eleito para um terceiro mandato numa eleição acusada de fraude.