Título: Bolívia sugere corte de impostos no Brasil
Autor: Nicola Pamplona
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/05/2006, Economia & Negócios, p. B4

A Embaixada da Bolívia em Brasília disparou um ardiloso recado na manhã de ontem, pouco antes do início do encontro dos presidentes brasileiro e boliviano em Puerto Iguazú (Argentina). Na lógica de La Paz, o aumento de preços do insumo reivindicado pelo governo boliviano poderia ser compensado no Brasil por meio da redução da carga tributária sobre o gás natural. Ou seja, mesmo com um aumento dos preços cobrados pela Bolívia, o produto continuaria economicamente atrativo ao consumidor brasileiro e não acarretaria sérios impactos na produção do Sudeste e do Sul e nos índices de inflação.

A fórmula boliviana foi sugerida pelo encarregado de negócios da embaixada em Brasília, ministro Pedro Gumucio Dragon, durante entrevista à imprensa. "Quem fixa o preço do gás é o Ministério da Fazenda que, com os impostos sobre o insumo, multiplica por três ou quatro o valor original", afirmou o diplomata, ao ser questionado sobre a possibilidade de a importação do insumo tornar-se economicamente inviável para o brasileiro em decorrência do aumento do valor cobrado pela Bolívia. "O preço do gás no mercado brasileiro é um problema interno do Brasil", criticou.

LONGA NEGOCIAÇÃO Gumucio deixou claro que não tem dúvidas de que a elevação do preço ocorrerá, mas não mencionou números. Em princípio, o aumento será definido nas negociações entre a Petrobrás e a Yacimientos Petrolíferos Fiscales de Bolívia (YPFB), que deverão ser concluídas até 1º de outubro.

O diplomata deixou claro que o interesse da Bolívia no mercado brasileiro não esmoreceu. A demanda brasileira deve ser multiplicada por dez na próxima década e, conforme Gumucio destacou, as alternativas da Bolívia ao mercado brasileiro estariam no Uruguai, no Paraguai e nos Estados Unidos. Porém, nenhuma dessas opções seria efetivada no curto prazo.

"Chegaremos a um acordo satisfatório, não chegaremos ao extremo", afirmou o ministro boliviano, referindo-se à possibilidade de a Petrobrás não concordar com a alta de preços e recorrer à arbitragem internacional, como foi anunciado anteontem pelo presidente da estatal brasileira, José Sérgio Gabrielli.

TRIBUTOS A "sugestão" boliviana, entretanto, foi desconsiderada por setores brasileiros. Zevi Kann, comissário-chefe da Comissão de Serviços Públicos de Energia - a agência reguladora do setor no Estado de São Paulo -, disse que o impacto dos impostos federais e estaduais sobre o gás natural não chega a ser tão expressivo como no caso do petróleo, que sofre a incidência da pesada Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide).

Nas contas do comissário, os tributos brasileiros significam 30% do valor da tarifa cobrada do consumidor, ou 42% do preço de venda do insumo da Bolívia para o Brasil. Mas esses cálculos, admitiu Kann, são exagerados, porque embutem integralmente o PIS/Cofins e o Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que são compensados ao longo da cadeia de distribuição. "Os tributos são impactantes, mas não multiplicam o preço do gás por três ou quatro", afirmou Kann.

Segundo o Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (Cbie), o gás natural comercializado no Brasil sofre, na esfera federal, tributação de 9,25%, referente ao PIS/Cofins. Já no plano estadual, há a incidência de ICMS, cuja alíquota varia de acordo com a unidade da federação. No Estado de São Paulo, a alíquota é de 12%.