Título: 'Decreto de nacionalização pressupõe negociações'
Autor: Roberto Lameirinhas
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/05/2006, Economia & Negócios, p. B7

Victor Hugo Sainz, presidente da Superintendência de Hidrocarbonetos da BolíviaEntrevistaVíctor Hugo Sainz é o presidente da Superintendência de Hidrocarbonetos da Bolívia, agência reguladora dos negócios de gás e petróleo. Ex-consultor de companhias privadas nos Estados Unidos, Sainz participou do restrito grupo governamental que elaborou o decreto de nacionalização dos recursos petrolíferos baixado segunda-feira pelo presidente Evo Morales.

Como serão conduzidas, daqui para frente, as negociações entre o governo boliviano e as companhias estrangeiras, como a Petrobrás, por exemplo? As regras do decreto de nacionalização são muito rígidas. Não haverá nenhuma flexibilidade? O decreto supremo fala muito claramente que haverá um período de 180 dias de adaptação. Isso pressupõe, sim, negociações. E quando alguém negocia com outra parte, é claro que tem de haver alguma flexibilidade. Esperamos obter acordos comerciais que tragam benefícios para ambas as partes. Em 180 dias podemos assentar as bases para resolver algumas diferenças que temos.

Que tipo de diferenças? O governo poderia, por exemplo, ampliar a margem de 18% das receitas que ficariam com as empresas? Primeiro, o que queremos é estabelecer contratos que sejam aprovados pelo Congresso, de maneira que as companhias tenham a segurança jurídica que estão reclamando agora. Depois, o que tiver sido estabelecido nesses contratos, incluindo a margem de lucro das empresas, será cumprido. Até este momento, essas companhias vinham operando à margem da lei, uma vez que esses contratos não foram aprovados pelo Legislativo, conforme estabelece a Constituição boliviana. Essa não é a opinião deste governo, mas todos os presidentes anteriores pediam a mesma coisa. Gonzalo Sánchez de Lozada, Carlos Mesa e Eduardo Rodríguez também diziam que esses contratos estavam fora da lei. Agora, o atual governo vai dar às empresas a garantia jurídica. Se vier outro governo daqui a quatro anos, ninguém poderá violar contratos que passaram pelo Congresso.

Vai haver paralisação da produção? Não há nenhuma previsão de desabastecimento (de gás). Temos como perspectiva manter em 100% o fornecimento de gás ao Brasil. Vamos cumprir integralmente os contratos de fornecimento firmados por governos anteriores.

Depois do anúncio do decreto de nacionalização, como está a produção nas instalações? Recebemos relatórios diários sobre isso e tudo continua normal. Não há nenhum incidente nas fábricas. Não há risco de desabastecimento do mercado interno nem do externo.

Antes de emitir o decreto, o governo fez uma análise mais profunda sobre quanto depende das empresas estrangeiras para operar o negócio de hidrocarbonetos? Não creio que exista um único país produtor de hidrocarbonetos que não dependa, em maior ou menor grau, de companhias petrolíferas estrangeiras. Vamos debater, nesse período de 180 dias de negociação, quanto nós dependemos delas e também quanto elas dependem de nós. Há um estudo global que foi feito antes da emissão do decreto de nacionalização. Mas agora começaremos a analisar com que empresa nos convém negociar e sob que termos. Há empresas que têm capacidade econômica, há empresas que têm transparência e há empresas que não têm nem uma coisa nem outra. Para essas últimas, deixaremos claro que a exploração dos nossos recursos naturais tem de beneficiar esta geração e as gerações do futuro.

Se o Brasil deixar de comprar, a Bolívia venderia seu gás para quem? Não estamos pensando nisso, mas gás natural é um produto que sempre tem mercado.

E como a Petrobrás entra nessa classificação? Como autoridade do poder regulador não posso emitir agora esse juízo de valor, sobre uma ou outra empresa. Quando tivermos todos os dados em mãos, veremos como atuou a Petrobrás, como atuou a Repsol, como atuou a British Petroleum. E aí, diremos: "Queremos tal empresa como nossa sócia, mas não continuaremos trabalhando com tal empresa."

Em quanto tempo a YPFB estará plenamente capacitada para assumir as operações, caso alguma companhia estrangeira decida abandonar o país? Para a YPFB passar ao papel de operador, isso deve levar mais de cinco anos. Para ser operador é preciso que se tenha não só a capacidade técnica, mas também a capacidade financeira.