Título: García investe contra Humala
Autor: Roberto Lameirinhas
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/04/2006, Internacional, p. A29

No último dia de campanha, nacionalista foi o principal alvo, mas candidato do Apra também criticou Lourdes

Grande parte do centro histórico de Lima esteve fechado até a madrugada de ontem por causa dos comícios de encerramento de campanha de três dos quatro principais candidatos à eleição presidencial peruana, cujo primeiro turno se realiza amanhã. Num raio de menos de um quilômetro discursaram, quase ao mesmo tempo, o candidato do partido Aliança Popular Revolucionária Americana (Apra), Alan García, a da Unidade Nacional, Lourdes Flores, e o da Frente de Centro, Valentín Paniagua. O líder das pesquisas, o nacionalista Ollanta Humala, tinha feito seu comício em Lima na véspera e preferiu encerrar a campanha em Arequipa, no sul do país.

Grupos de militantes dos diversos partidos se cruzaram, mas apesar do espírito de torcida organizada de futebol que caracteriza alguns desses movimentos, nenhum confronto mais grave foi registrado na noite de quinta-feira. Nos palanques, embora os candidatos não tenham poupado nenhum rival dos ataques, o alvo preferencial era um só: Humala.

Orador reconhecidamente brilhante, Alan García inovou ao deixar de lado as camisetas de campanha e apresentou-se para a multidão de mais de 30 mil pessoas de terno. Após iniciar o discurso com emotivas lembranças de sua infância, logo voltou suas baterias contra Humala.

"A esse personagem que descobriu o nacionalismo depois dos 40 anos e promete destruir o Apra, eu digo que, ainda que esteja sob a terra, meu partido sempre terá mais vida do que nunca", enfatizou, com gestos largos e teatrais, para delírio da assistência - na maioria, jovens estudantes usando a camiseta vermelha com a estrela branca do Apra.

García enfrenta uma luta de vida ou morte com Lourdes Flores para conquistar a segunda vaga para o provável segundo turno de 7 de maio. A primeira, caso as pesquisas dos últimos dias não sejam totalmente desmentidas pela realidade das urnas, é de Humala.

Assim, o candidato aprista também investiu pesado contra ela, qualificando-a de "candidata da direita e do continuísmo da política neoliberal de Alejandro Toledo".

Hábil no uso dos símbolos, García soltou uma pomba branca em meio ao discurso de quinta-feira. "Temos de impedir que a demagogia continue semeando o ódio. "Não queremos ver irmãos apunhalando irmãos no Peru", disse García, em referência aos discursos de Ollanta Humala.

Depois, acusou a campanha de Lourdes de estar por trás da acusação de que teria assediado sexualmente uma militante do partido. Em seguida, deu um longo beijo em sua mulher, Pilar Nores, para delírio da multidão de simpatizantes.

García prometeu dobrar os salários dos professores e o horário de aulas nas escolas. Também prometeu a pena de morte para violadores de menores, baixar o preço das tarifas públicas e reduzir o salário do presidente da república, de ministros e congressistas. García se comprometeu a não "encher as repartições públicas com partidários do Apra" caso chegue à presidência.

"No Peru, tem muita gente que odeia Alan García, mas praticamente ninguém em sã consciência o subestima", disse ao Estado o professor de Ciências Políticas da Universidad Mayor de San Marcos, Julio Tedaldi.

"Além da força de seu partido, que é praticamente o único organizado em todo o país e com uma militância fortíssima, sua capacidade para seduzir as massas é incontestável", disse o professor Tedaldi.

O candidato do Apra levou o país à falência entre 1985 e 1990, depois de, com apenas 35 anos, ter-se tornado o primeiro candidato do partido fundado em 1924 a chegar à presidência do país. García rompeu com o FMI, promoveu um calote da dívida externa, estatizou o sistema bancário e viu a hiperinflação atingir uma média anual de mais de 17.000%.

No mesmo período, a guerrilha maoísta Sendero Luminoso intensificou sua campanha de terror, deixando milhares de mortos em vários povoados do Peru.

Durante o governo de Alberto Fujimori, foi réu revel em dezenas de processos por malversação de fundos e corrupção. Era considerado um cadáver político até que voltou do exílio, em 2001, para candidatar-se à presidência contra Toledo e Lourdes Flores. Superou Lourdes no primeiro turno e perdeu para Toledo no segundo por apenas 4 pontos porcentuais de diferença.