Título: PF suspeita de procedimento ilegal do Coaf em relatório contra caseiro
Autor: Vannildo Mendes
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/04/2006, Nacional, p. A4

Polícia quer saber quem acionou órgão para enquadrar Nildo como suspeito e situação de Palocci se complica

A Polícia Federal desconfia que houve irregularidade no relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) que torna o caseiro Francenildo dos Santos Costa, o Nildo, suspeito de lavagem de dinheiro e vai apurar se há mais cúmplices do ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci no episódio. Em ofício enviado ontem ao Coaf, a PF pede explicações sobre como, por que e por quem o órgão foi acionado para enquadrar o caseiro como suspeito de lavagem de dinheiro.

O pedido de esclarecimentos complica a vida do ex-ministro da Fazenda, apontado como mandante da devassa ilegal na conta do caseiro na Caixa Econômica Federal.

Indiciado por violação de sigilo funcional e bancário, Palocci pode agora ser indiciado também por abuso de poder e advocacia administrativa, caso se confirme que ele acionou um órgão público submetido a seu controle hierárquico para, em benefício pessoal, perseguir um desafeto.

O delegado Rodrigo Carneiro Gomes, encarregado do inquérito que apura a violação do sigilo bancário do caseiro, pede informações também sobre como o órgão operou internamente a análise financeira que rotula de "atípica" a movimentação da conta de Nildo. Embora tenha provado que os depósitos vieram de seu pai biológico, que mora no Piauí, o caseiro passou, desde então, a ser investigado como vítima e réu ao mesmo tempo.

Em seu relatório, enviado à PF em 20 de março, o Coaf informa que entre janeiro e março de 2006 o caseiro movimentou cerca de R$ 38 mil em sua conta de poupança na Caixa, quantia considerada elevada para o salário dele, de R$ 700 mensais. Com a mudança de rumo adotada ontem pela PF, o Coaf sai da condição de denunciante para a de investigado no inquérito.

Chamou a atenção do delegado, além da agilidade do Coaf nesse caso, a inexistência de outros relatórios do órgão envolvendo valores tão baixos. A praxe do órgão, subordinado ao Ministério da Fazenda, é acionar a PF em operações com valores acima de R$ 100 mil, embora a lei lhe permita rotular como "atípicas" movimentações acima de R$ 10 mil, desde que o titular da conta não tenha renda para tal.

O dirigente do Coaf que executou a medida pode também ser responsabilizado, caso se confirme que agiu de má-fé. A nova atitude adotada pela PF, que até ontem investigava Nildo como suspeito, representa a vitória total do caseiro sobre o ex-ministro e os que tentavam desqualificá-lo como testemunha.

Por conta do escândalo, já foram demitidos, além de Palocci, o ex-presidente da Caixa Econômica Federal Jorge Mattoso - que confessou ter dado, em 16 de março, a ordem interna para violação do sigilo na conta do caseiro - e dois assessores graduados do governo (Gabriel de Souza, da Caixa, e Marcelo Netto, do Ministério da Fazenda). Não bastasse isso, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, e outras autoridades ainda estão tendo de se explicar sobre o caso.

Ontem, o procurador da República Vinícius Fermino deu parecer pelo trancamento imediato da parte do inquérito da PF que investiga a movimentação bancária de Nildo. Segundo o procurador, o caseiro "é vítima de um crime e não pode ser considerado investigado". Uma das condições para que um ato seja tipificado como lavagem de dinheiro, lembra Fermino, é a prática da conduta de ocultar ou dissimular a natureza e a origem do recurso, o que não ocorreu nesse caso.

Para o representante do Ministério Público, receber depósito em conta corrente é conduta revestida de absoluta transparência. Ainda segundo o procurador, a hipótese de o caseiro ter agido como laranja não é factível, uma vez que as justificativas apresentadas por ele foram comprovadas pelo depoimento prestado ao Ministério Público Federal por seu suposto pai biológico, Eurípedes Soares.