Título: Viena, palco para Chávez
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Fonte: O Estado de São Paulo, 08/05/2006, Notas e Informações, p. A3

Viena será o próximo cenário em que o presidente venezuelano, Hugo Chávez, poderá exibir sua crescente e nefasta influência na política latino-americana. Governantes de 34 países da região vão encontrar-se nesta semana com dirigentes europeus, na capital austríaca, para a 4ª Reunião de Cúpula União Européia-América Latina e Caribe. A conferência foi planejada, como as anteriores, para fomentar a cooperação inter-regional, principalmente no comércio. Mas todo plano que envolva sul-americanos fica mais incerto com a presença estridente e geralmente histriônica de Chávez.

O encontro poderá servir para a reativação das conversações entre Mercosul e União Européia e, talvez, para o lançamento de negociações entre o bloco europeu e países da Comunidade Andina e da América Central. México e Chile já têm acordos de livre comércio com a União Européia - e também com os Estados Unidos. Cuidaram há mais tempo de conquistar acesso aos principais mercados do mundo rico, deixando os outros latinos para trás.

Os países do Mercosul e da Comunidade Andina ainda não têm esses acordos. Colômbia e Peru negociaram com os Estados Unidos, mas seus acordos ainda não foram aprovados pelo Congresso americano. O presidente venezuelano criticou os parceiros andinos por terem buscado um entendimento comercial com os gringos e anunciou a disposição de abandonar, em protesto, a Comunidade Andina de Nações.

Chávez também foi um dos que impediram o relançamento, na cúpula interamericana do ano passado, na Argentina, a reativação das discussões da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Reforçou, com essa atitude, as posições anti-Alca dos presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e da Argentina, Néstor Kirchner. Não houve surpresa nessa coincidência. Mas enganou-se quem supôs, antes da Cúpula das Américas, que o venezuelano fosse apenas um político a mais a berrar contra um acordo com os Estados Unidos. Ele não foi um a mais em Mar del Plata: foi a figura que dominou a cena no lado latino-americano.

Sua condição de protagonista fortaleceu-se, a partir daí, graças à associação de interesses com o governo argentino e ao encolhimento indisfarçável do presidente brasileiro.

Lula foi incapaz de reagir à influência de Chávez, que ainda viria a ser o mentor do presidente boliviano, Evo Morales. A não ser por esse papel e por sua ascendência sobre Lula, a presença do venezuelano em Puerto Iguazú, na última quinta-feira, ao lado dos presidentes brasileiro, argentino e boliviano, seria incompreensível.

Funcionários europeus já mostraram preocupação quanto ao papel que poderá desempenhar Hugo Chávez na conferência de cúpula prevista para começar na próxima quinta-feira e terminar no sábado. O presidente venezuelano, segundo se tem comentado, deverá aparecer com uma delegação de cerca de cem pessoas, com certeza a maior dentre as latino-americanas e caribenhas.

Será uma enorme surpresa se a sua atuação no encontro for discreta e razoavelmente sensata. Isso não combina com seu currículo, com suas ambições e com as impropriedades que já cometeu na preparação da conferência. Tentou incluir no rascunho da declaração final uma referência a projetos de cooperação energética da Venezuela com a Argentina e países do Caribe. A tentativa não parece ter dado certo, mas contribuiu para aumentar a preocupação dos europeus e dos diplomatas mais sensatos. O estrago será muito maior - e irá muito além do ridículo - se Chávez atrapalhar qualquer tentativa de entendimento comercial entre andinos e europeus.

Também não se sabe qual será o comportamento de Chávez quando representantes da União Européia e do Mercosul discutirem, depois da cúpula, o relançamento das negociações entre os dois blocos.

Já há desacordo em excesso entre Brasil e Argentina, quando se trata do estreitamento do comércio com a União Européia. Esse foi um dos fatores que mais contribuíram para emperrar as negociações. A vinculação de Chávez ao Mercosul torna ainda mais incerto o futuro desse projeto. Só é certa, por enquanto, sua interferência crescente nos assuntos de seus vizinhos, alimentada pela subserviência de Lula. É grande a possibilidade dessa subserviência marcar o comportamento de nossa delegação em Viena.