Título: Monopólio postal
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/05/2006, Notas e Informações, p. B3

Ao contrário do que ocorre em vários países, que estão privatizando os serviços postais para reduzir seus custos e torná-los mais eficientes, no Brasil o futuro do setor ainda é incerto. Diante das graves irregularidades cometidas ao longo dos últimos anos na concessão de franquias de agências postais, o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) que promova uma nova licitação ou substitua as agências franqueadas por agências próprias. E, no plano jurídico, o Supremo Tribunal Federal (STF) vem julgando um recurso sobre a exclusividade da ECT não só no mercado de remessa de cartas e telegramas, mas, também, nos de remessa de documentos e de entrega rápida de pequenas cargas.

As agências franqueadas foram autorizadas a funcionar em 1990 pelo então presidente Fernando Collor de Mello, para atuar no varejo. Com o tempo, elas mudaram de perfil e passaram a concentrar suas atividades no atacado, distribuindo a correspondência de bancos, companhias seguradoras, redes de supermercado e empresas especializadas em mala direta. Com isso, o faturamento cresceu geometricamente e as franquias passaram a ser cobiçadas por políticos de diversos partidos.

Em vez de promover licitações públicas para a escolha dos franqueados, como determina a Constituição, a ECT passou a lotear franquias entre apadrinhados de políticos. E, com o tempo, a empresa perdeu o controle dos franqueados, pois vários deles revenderam concessões obtidas por pressão política ou passaram a operar por meio de "laranjas". Segundo levantamento da CPI dos Correios, entre 1998 e 2002 as agências franqueadas tiveram um faturamento de mais de US$ 1 bilhão.

Foi para acabar com essas irregularidades e com o o tráfico de influência na terceirização dos serviços postais que o TCU impôs uma série de exigências à ECT, entre elas a obrigatoriedade de pôr em licitação todas as agências que hoje funcionam em regime de franquia.

Independentemente dos problemas causados pela manipulação política na escolha dos franqueados, a ECT, desde o início do atual governo, reivindica o monopólio da remessa de documentos e livros e de entrega rápida de pequenas mercadorias. A empresa já detém 83% desse mercado, movimentando diariamente cerca de 35 milhões de volumes e faturando R$ 8,6 bilhões por ano. O restante do mercado é operado por mais de 15 mil empresas brasileiras de porte variado, incluindo pequenas empresas de motofretes, e 10 multinacionais. As empresas brasileiras, que empregam 1,2 milhão de pessoas, transportam diariamente mais de 5 milhões de volumes e faturam R$ 1,2 bilhão por ano. As multinacionais, muitas das quais têm frotas próprias de jatos, fazem remessas para o exterior, com um transporte diário de entre 12 mil e 15 mil volumes.

Para tentar deter a pretensão de exclusividade da ECT nesse mercado, que está em franca expansão, a Associação Brasileira das Empresas de Distribuição recorreu ao STF. Dos 10 ministros da corte (uma vaga está aberta em decorrência da aposentadoria do ministro Nelson Jobim), 4 já se manifestaram favoravelmente ao monopólio da ECT, entendendo que ele também deve ser estendido às remessas de correspondências e mercadorias para o exterior. Dois votaram em favor da abertura do mercado. Se mais 2 ministros votarem pelo monopólio, as 15 mil empresas brasileiras e as 10 multinacionais que atuam no setor de entrega de documentos e mercadorias terão de mudar de ramo ou fechar as portas.

Isso dá a medida da incerteza do setor de serviços postais no País. Caso o STF conceda o monopólio pleiteado pela ECT, o Brasil estará na contramão da história. Além do Japão, a Inglaterra e a Alemanha decidiram promover a terceirização de seus serviços postais até 2007. Os demais países membros da União Européia comprometeram-se a fazer o mesmo até 2009. Enquanto os países desenvolvidos vão abrindo o mercado, o governo brasileiro, que controla a ECT, quer fazer o oposto.