Título: Câmara absolve Mentor e reforça pizza do mensalão
Autor: João Domingos
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/04/2006, Nacional, p. A4

Deputado do PT, que tinha cassação recomendada pelo Conselho de Ética, é o 9.º a escapar no plenário

Em mais um julgamento com baixa presença de deputados, o que beneficia o acusado, e indiferente à opinião pública, a Câmara absolveu ontem o deputado José Mentor (PT-SP) - o nono a se livrar no escândalo do mensalão. O petista havia sido acusado pela CPI dos Correios de ter recebido R$ 120 mil do valerioduto, esquema montado pelo publicitário Marcos Valério e pelo ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares para compra de apoio ao governo no Congresso, para facilitar trocas de partido e financiar campanhas com caixa 2.

No primeiro julgamento em plenário desde que a Procuradoria-Geral da República denunciou 40 pessoas no inquérito do mensalão, a maioria dos parlamentares optou pela perda do mandato, mas o quórum foi insuficiente. Pela cassação votaram 241 deputados. Para que Mentor fosse cassado, seriam necessários 257 - metade mais um dos 513 deputados. Faltaram, portanto, 16 votos. O petista teve a seu favor 175 votos. Houve ainda 8 abstenções, 6 votos em branco e 2 nulos.

À sessão compareceram 432 dos 513 deputados, a segunda menor presença em todas as 12 sessões de julgamento ocorridas até agora - o menor quórum foi o da sessão que absolveu o deputado João Magno (PT-MG), quando compareceram apenas 426 deputados. Naquela sessão, a deputada Ângela Guadagnin (PT-SP) ensaiou os passos da dança da pizza, ao saber que o colega havia se livrado.

Mentor foi o nono dos 19 parlamentares acusados a ser absolvido. Antes dele livraram-se da degola João Magno, João Paulo Cunha (PT-SP), Pedro Henry (PP-MT), Professor Luizinho (PT-SP), Roberto Brant (PFL-MG), Romeu Queiroz (PTB-MG), Sandro Mabel (PL-GO) e Wanderval Santos (PL-SP).

Cassados foram três: José Dirceu (PT-SP), Pedro Correa (PP-PE) e Roberto Jefferson (PTB-RJ). Renunciaram para fugir do processo de cassação os ex-deputados Valdemar Costa Neto (PL-SP), Carlos Rodrigues (sem partido-RJ), José Borba (PMDB-PR) e Paulo Rocha (PT-PA). Faltam os julgamentos de Josias Gomes da Silva (PT-BA), José Janene (PP-PR) e Vadão Gomes (PP-SP).

O deputado Nelson Trad (PMDB-MS), relator do processo de Mentor, foi duro em no parecer que recomendou a cassação. Utilizou trechos do relatório do procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza - que denunciou "uma sofisticada organização criminosa" para manter o PT no poder -, embora Mentor não tenha sido incluído na lista dos 40 indiciados. Segundo Trad, Souza viu, na ação do deputado, "ilicitude ética parlamentar, beirando a fronteira de ilícito penal".

TOLENTINO

O relator afirmou que Mentor se entregou ao esquema montado quando aceitou serviço encomendado por Rogério Tolentino, sócio de Marcos Valério. Mentor era o relator da CPI do Banestado e Valério fazia lobby para que o Banco Rural fosse retirado do relatório da CPI.

"Entregou-se, enfraqueceu-se, demonstrou na realidade o quanto é perigoso e venenoso esse núcleo criminoso que aqui se encontra, chefiado por Marcos Valério e por essa gangue toda que arrastou todos nós para o pelourinho da desgraça, da infâmia e da vergonha", disse Trad.

Em sua defesa, Mentor também usou o relatório do procurador. "Acabamos de assistir à opinião e às considerações sobre uma denúncia do procurador da República, elogiada várias vezes. A única coisa que ele não faz é me denunciar. Isso, para mim, é a prova definitiva de que não há prova. Caso contrário, o relator estaria aqui a elencá-las."

Mentor destacou que não tem como pagar os honorários advocatícios de Antonio Mariz, que o defendeu. "Minha felicidade é que não preciso pagá-lo, porque é amigo meu e da minha família há 40 anos", frisou.

Depois, pediu licença a todos para fazer uma referência ao deputado Roberto Brant (PFL-MG), que, quando julgado em plenário, fez um discurso de condenação aos meios de comunicação e à opinião pública e se livrou da cassação. "Vou me despir, se me permitem, da condição de petista, por um instante. Sua excelência (Brant) disse que o momento que viveu permitiu que pessoas transpusessem as dificuldades ideológicas para abraçá-lo. Quem faz discurso como aquele, apesar das divergências que mantenho com ele, não pode abandonar a política. As futuras gerações vão sentir falta de pessoas como Brant."