Título: Entidades pedem redução de pena aos detentos que estudam
Autor: Renata Cafardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/05/2006, Vida&, p. A12

Na Penitenciária Feminina da Capital se escolhe entre comer, tomar banho ou estudar. As três coisas acontecem diariamente no mesmo horário, entre 16 horas e 20 horas. Quem faz questão de freqüentar a escola tem como opções lavar-se com água de balde e jantar comida fria à noite - caso a companheira de cela concorde em pegar uma marmita a mais.

A histórica falta de organização da educação em presídios no País impulsionou um movimento recente da sociedade civil. No mês passado, mais de cem entidades educacionais e de direitos humanos foram a Brasília exigir que projetos de lei pedindo a diminuição da pena pelo estudo - hoje isso só ocorre quando o preso trabalha - fossem debatidos.

Os governos também começam a se mexer. O Ministério da Educação (MEC) prepara diretrizes para a educação carcerária e, em São Paulo, está em construção um projeto articulado com a secretaria da educação para escolas de presídios. Há um certo consenso no País de que é preciso fazer mais pela educação dos 361,4 mil presos brasileiros.

Hoje, se há escola, como ocorre na Penitenciária Feminina da Capital, ela é mantida graças à boa vontade e à sensibilidade de educadores destacados para cuidar do local. As aulas servem apenas para preparar os alunos para exames feitos pelo governo e que lhes darão certificados. As mesmas provas podem ser feitas por outros adultos livres que estudam sozinhos, em casa, por exemplo. Por mais que freqüente a escola, ninguém recebe na prisão um certificado de conclusão de ensino fundamental ou médio.

Apesar de uma pesquisa divulgada recentemente mostrar que o nível de alfabetismo dos presos paulistas é superior ao da população em geral, os dados nacionais indicam que 70% deles não concluíram o ensino fundamental (1ª a 8ª série ). Em São Paulo, há 139 mil presos e 18 mil estudam.

MUDANÇA DE VIDA

"Se o nosso objetivo é ressocializar o cidadão, não dá para fazer isso sem educação. Ele vai sair da prisão sem a mínima orientação para mudar de vida", diz a responsável pela área educacional na Fundação de Amparo ao Preso (Funap), Lúcia Inês Siqueira. A entidade é ligada à Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e cuida dos programas sociais nas prisões.

Fora a reestruturação das escolas (ver texto ao lado), especialistas enfatizam que é preciso ser aprovada a remissão da pena por estudo, o que seria um grande estímulo aos presos. Desde a Lei de Execução Penal, de 1984, é descontado um dia de pena por três de trabalho. "Se houver diminuição da pena para quem estuda, os presos vão preferir ir à escola do que costurar bola. Afinal, onde ele vai arrumar emprego de costurador de bola aqui fora?", diz a juíza da 16ª Vara Criminal de São Paulo, Kenarik Boujikian Felippe, da Associação Juízes pela Democracia, uma das entidades que assinam o manifesto pela remissão da pena.

Atualmente há dois projetos de lei na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados sobre o assunto. O Ministério da Justiça e o MEC preparam juntos um outro projeto que prevê um número maior de dias descontados quando o preso conclui um ciclo de estudo, como quatro séries do ensino fundamental ou o ensino médio.

PRESIDIÁRIA PROFESSORA

Na Penitenciária Feminina da Capital sobram carteiras em salas de aula enfeitadas com páginas da cartilha e paredes cor-de-rosa. Das cerca de 600 presas, apenas 127 estudam. Lá, funciona bem um modelo, elogiado por educadores, em que presidiárias atuam como professoras. Guadalupe Ledezma, de 37 anos e pena de 7, ensina as colegas a fazer conta de dividir. "Elas às vezes esquecem muita coisa no dia seguinte, mas é muito bom ver quando aprendem", diz. As professoras, orientadas pela pedagoga Elaine Araujo, podem tirar dúvidas nas celas à noite e têm liberdade para usar as gírias da prisão e fechar a porta durante as aulas.

"Fico sem graça de estudar com professora de fora", diz Selma, de 31 anos, presa por tráfico. Ela abandonou os estudos no ano passado porque não tinha uma professora detenta. Hoje, assiste as aulas do ensino médio de Taine de Mello, de 25 anos, que aguarda julgamento e, antes da prisão, estudava Fisioterapia.

A escola, que tem "intervalo para fumar" no meio das duas horas de aulas, é protegida pelas presas. Em rebeliões, ninguém depreda o prédio educativo, contam. Depois das aulas convencionais, são oferecidas ainda aulas de informática - a internet é proibida -, de canto e de línguas. Sandra Maria da Silva, de 34 anos, mexeu pela primeira vez num computador na prisão. Tem três filhos "lá fora" e acredita que o estudo vai permitir que ela ajude as crianças nas lições de casa.

"Tomo banho de balde mais tarde, mas preencho meu tempo de um bom jeito", diz Leonice de Camargo, que estava há 16 anos sem estudar quando foi presa.

Segundo a direção da penitenciária, a água é fechada às 19 horas porque nesse horário há troca do plantão das guardas e é preciso fazer a checagem das presas. As marmitas, ainda segundo a direção, são entregues nas celas e podem ser guardadas pelas companheiras que não estudam.

"O único direito que os condenados perdem é o de ir e vir", diz Mariangela Graciano , assessora da ONG Ação Educativa e autora de um mestrado na Universidade de São Paulo (USP) sobre educação na prisão.

A entidade, que também participa do manifesto em prol da remissão da pena, destaca que a oferta de escola deve ser justificada principalmente pelo direito à educação de qualquer cidadão.