Título: Crises agrícola e do gás ameaçam previsão de crescimento de 4,5%
Autor: Lu Aiko Otta
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/05/2006, Economia & Negócios, p. B1

Uma conjunção de fatores favoráveis levou o governo brasileiro a estimar um crescimento econômico este ano de 4,5%. O horizonte sugerido pelo aumento de renda provocado pela correção do salário mínimo e das aposentadorias acima do índice de inflação, preços sob controle e ausência de crise internacional impulsionando a campanha de reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva só poderá ser ofuscado pelo descontentamento dos agricultores, que pedem mais recursos para financiar suas dívidas, e pela recente crise provocada pela nacionalização das reservas de gás e petróleo na Bolívia, que afeta os investimentos da Petrobrás.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, aposta no crescimento, mas admitiu ao Estado que, de fato, o setor agrícola e a questão com a Bolívia poderão criar nuvens cinzentas no céu de brigadeiro de Lula. "A agricultura tem seus problemas, então não vai contribuir muito para o crescimento, embora o governo esteja tomando medidas para tentar recuperá-la", comentou.

Em relação à questão com a Bolívia, Mantega acha que o potencial de estrago da crise do gás é pequeno. Primeiro, porque os bolivianos continuarão fornecendo gás ao Brasil, conforme compromisso já assumido por aquele país. Além disso, o ministro não trabalha com a hipótese de aumentos exorbitantes para o preço do gás, um insumo que vem sendo cada vez mais importante para a indústria brasileira. Mantega lembrou que o contrato de fornecimento de gás é regido por leis internacionais, que garantem regras para os reajustes.

Mas nem mesmo os acidentes de percurso, como a crise com a Bolívia ou a alta dos juros dos Estados Unidos, parecem afetar significativamente as projeções. "Foi uma semana em que juntamos todos os pesadelos, estrangeiros e próprios: instabilidade na região, juros americanos escalando, petróleo na lua, aumento dos gastos públicos... e os mercados não deram a menor bola", comentou o economista-chefe da corretora Convenção, Fernando Montero, referindo-se a fatores que, em outras épocas, afetariam seriamente a estabilidade econômica.

Ao contrário, nada abalou o mercado financeiro, que preferiu não identificar nesses movimentos externos motivos capazes de abalar a estabilidade conquistada nos últimos anos. "O risco Brasil caiu, o dólar foi junto e as ações da Petrobrás subiram", atestou Montero.

O ministro Mantega considera que a economia estará impulsionada, este ano, pela decisão do governo de corrigir o salário mínimo para R$ 350 e as aposentadorias para quem ganha acima desse valor em porcentual acima da inflação. Nas contas da equipe econômica, as duas medidas devem injetar na economia entre R$ 20 bilhões e R$ 25 bilhões.

"Será um impulso considerável", disse Mantega. O consumo em alta alimenta o otimismo do governo, que já fala em taxas de crescimento de até 4,5% este ano, um bom resultado para colocar Lula na dianteira da disputa eleitoral de outubro e abrir uma boa frente de vantagem em relação ao seu principal adversário, o pré-candidato do PSDB, Geraldo Alckmin.

Economistas concordam que o quadro econômico poucas vezes esteve tão favorável, tanto no front interno quanto no externo. "E, ainda por cima, teremos a Copa do Mundo, que sempre deixa as pessoas mais otimistas", observa o economista Alex Agostini, da Austin Rating. É todo um quadro positivo que dará trabalho à oposição neste ano eleitoral. Se as projeções mais otimistas estiverem certas, Lula encerrará seus quatro anos de mandato com uma taxa média de crescimento econômico ligeiramente maior do que as dos dois governos de Fernando Henrique Cardoso.

A dívida pública cairá a seus menores níveis nos últimos 15 anos com a "blindagem" da dívida externa, provocada pela quitação das dívidas com o Fundo Monetário Internacional e com o Clube de Paris, além da retirada de mercado dos papéis emitidos logo após a moratória no fim dos anos 80.

VÔO DE GALINHA

Os economistas consultados pelo Estado acham que o quadro de 2006 é, de fato, positivo. O problema, afirmam, pode aparecer nos próximos dois anos. Eles acreditam que a bonança deste ano não deverá se repetir em 2007 e 2008, porque o governo não soube tirar proveito das condições favoráveis no cenário internacional.

Outros países emergentes estão, segundo esses economistas, em melhores condições. Ou seja, a economia brasileira vai bem, mas poderia estar ainda melhor. De acordo com cálculos de Agostini, se o crescimento deste ano for de 3,8%, a média do governo Lula terá sido de 2,9%. No mesmo período, os países emergentes cresceram 4,3%. Lula, porém, vencerá a disputa com Fernando Henrique, que no primeiro mandato obteve uma taxa de crescimento de 2,57% e no segundo, de 2,1%.

"Eu não diria que o crescimento de 2006 é uma bolha, mas acho que é um vôo baixo", disse o gerente-executivo da Unidade de Política Econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Flávio Castelo Branco. "A não ser que haja uma hecatombe, vamos crescer. Mas, para ser um crescimento forte, precisamos de um choque positivo, que passa pela redução da tributação, da taxa de juros, melhor infra-estrutura, ou seja, toda uma agenda que está paralisada já há algum tempo." O aumento dos gastos públicos ao longo deste ano também poderá afetar o crescimento futuro, alertou o gerente do Departamento Econômico da Federação da Indústria do Estado de São Paulo, André Rebelo.

"Historicamente, o aumento das despesas tem sido financiada com elevação da carga tributária", disse. "Se isso for feito, vai segurar a economia." Alex Agostini acha que a farra de consumo de 2006 logo acenderá os sinais de alerta no Banco Central, que verá nela o risco de volta da inflação. Nesse caso, as taxas de juros cairão mais lentamente ou até pararão de cair. "Pelo perfil conservador do Banco Central, a retomada do consumo pode fazer com que não se reduza mais a taxa de juros." Tanto é assim que a consultoria espera um crescimento de 3,8% este ano, mas apenas 2,6% no ano que vem.

Para 2008, acredita o economista, o quadro vai se complicar por outra razão: falta de infra-estrutura. "A economia brasileira ainda não está preparada para crescer mais do que 3,5% por dois anos consecutivos", afirmou.