Título: Bolívia quer gás 61, 34% mais caro
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Fonte: O Estado de São Paulo, 08/05/2006, Economia & Negócios, p. B4

O presidente da Bolívia, Evo Morales, afirmou ontem que espera aumentar em US$ 2 o preço do gás vendido ao Brasil e à Argentina. Evo afirmou que, uma vez nacionalizadas as reservas de gás e petróleo, o país se empenhará no processo de negociação de preços com os países compradores. "Agora depende de nós, podemos definir o preço, mas para não perder a amizade, vamos negociar", disse Evo durante discurso na inauguração do 7º Congresso de Mulheres Camponesas do Trópico de Cochabamba.

Segundo a Agência Boliviana de Informação, órgão oficial do governo, o preço pago pelo Brasil é de US$ 3,26 por milhão de BTUs (unidade térmica britânica - a unidade internacional de medida do gás). Com o aumento de US$ 2, passaria a pagar US$ 5,26 - um reajuste de 61,34%. No caso da Argentina, a decisão eleva em 65% o preço pago pelo gás boliviano, atualmente de US$ 3,35 por milhão de BTUs. O governo do presidente Néstor Kirchner encara o anúncio com desagrado, já que produto é considerado essencial para a recuperação da economia do país.

O ministro do Planejamento do Desenvolvimento da Bolívia, o economista Carlos Villegas, confirmou que o governo Evo quer que a Argentina pague daqui para a frente US$ 5,50 por milhão de BTUs . Já o ministro da Presidência, Juan Ramón Quintana, braço forte de Evo no gabinete boliviano, disse que o valor de US$ 5,50 é "razoável" e está muito abaixo "do preço internacional". O Brasil importa diariamente 26 milhões de metros cúbicos de gás boliviano. A Argentina importa 6 milhões.

O ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, disse ontem que o governo brasileiro somente vai tomar alguma providência a partir do recebimento de uma proposta formal da Bolívia. Isso deve ocorrer na quarta-feira, durante reunião em La Paz, afirmou o ministro, que vai participar do encontro.

Segundo ele, toda negociação será feita com base na orientação acordada pelos quatro presidentes (Lula, Evo Morales, Néstor Kirchner e Hugo Chávez), na reunião de Puerto Iguazú, semana passada, quando ficou definido que os contratos devem respeitar a racionalidade econômica.

Em Buenos Aires, é grande a preocupação de que o aumento do preço do gás boliviano empurre a escalada da inflação. Kirchner tem especial angústia em relação a este índice econômico, que poderá afetar suas chances de reeleição presidencial em meados do ano que vem.

De acordo com o jornal boliviano La Razón, Evo havia dito no sábado que, aumentando em US$ 1 o preço do milhão da BTUs, o Estado boliviano poderia obter uma receita adicional de US$ 300 milhões, o que eliminaria o déficit fiscal boliviano. Com alta de US$ 2, o adicional seria de US$ 600 milhões.

O presidente boliviano também havia indicado que a opção de aumentar o preço em US$ 2 tanto para o Brasil como para a Argentina seria analisada por uma comissão técnica. Segundo Evo, a revisão do preço do gás está incluída no contrato com o governo do Brasil, de 1999.

Kirchner poderia fazer o mesmo, dizem argentinos

Os argentinos gostariam que Néstor Kirchner imitasse seu colega boliviano, Evo Morales, e também nacionalizasse o petróleo e o gás do país.

Uma pesquisa da consultoria OPSM indicou que 61,7% dos entrevistados concordam com uma medida similar. Outros 12,3% a apoiariam enfaticamente. Desta forma, três quartos dos argentinos aprovariam que Kirchner decretasse uma "solução à boliviana" sobre a área de hidrocarbonetos.

Durante sete décadas, a Argentina teve uma das maiores estatais petrolíferas da América Latina, a YPF, privatizada em 1991. Inicialmente, a empresa ficou em mãos de empresários argentinos. Na virada do século, passou para a espanhola Repsol. Há dois anos, Kirchner criou a Enarsa, uma mini-estatal que até agora não tem atividades concretas.