Título: FMI alerta para pressão por gastos
Autor: Rolf Kuntz
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/04/2006, Economia & Negócios, p. B13

Para o Fundo, Brasil continua vulnerável; segundo técnico, também é preciso reformar bancos para baixar juros

O governo brasileiro terá de resistir às pressões para relaxar a política fiscal - isto é, para gastar mais - e precisará manter elevados superávits primários nas contas públicas, segundo o Panorama Econômico Mundial divulgado ontem pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Também precisará elevar a qualidade da política fiscal e melhorar o ambiente para negócios, para aumentar o crescimento econômico a médio prazo.

Uma reforma do setor financeiro, "para reduzir o enorme spread dos juros", será igualmente necessária para tornar o País mais competitivo, disse ontem o economista principal e chefe de pesquisas do FMI, Raghuram Rajan. O Fundo apresentou recomendação semelhante há mais de um ano, afirmando que é baixa a concorrência entre os bancos brasileiros.

Em outros documentos do FMI, qualidade do ajuste fiscal refere-se a maiores cortes de gastos de custeio e maior flexibilidade orçamentária para expansão do investimento público.

O relatório menciona a "intensa agenda eleitoral" latino-americana e acentua a importância de "manter políticas saudáveis" e de conservar, "nas transições políticas", a credibilidade "duramente conquistada diante dos investidores nacionais e estrangeiros".

Brasil e América Latina continuam vulneráveis a uma piora do cenário mundial, embora as finanças públicas e as contas externas tenham melhorado nos últimos anos. A dívida pública tem diminuído, mas continua acima da faixa de seguransença - entre 25% e 50% do Produto Interno Bruto (PIB) - identificada pelo FMI no relatório de setembro de 2003.

O custo, a composição e os prazos tornam a dívida pública latino-americana particularmente perigosa, segundo o Panorama, e seria muito conveniente continuar a reduzi-la. No Brasil, a dívida líquida do setor público permanece acima de 50% do PIB. O panorama não menciona esse detalhe, ao cuidar da América Latina. Mas acentua a importância da disciplina fiscal e de maior crescimento econômico para a redução da pública. Isso vale para o Brasil, segundo o relatório.

MUITO RAZOÁVEL A política fiscal brasileira foi classificada ontem como "muito razoável" por Raghuram Rajan, mas a redução de juros e um maior crescimento econômico dependerão, segundo ele, de reformas estruturais - mudanças no setor financeiro e redução de entraves a novos negócios, entre outras.

"O Brasil alcançou muitos sucessos. Tem sido enormemente produtivo na agricultura e penso que é preciso estender tudo isso a outros setores", comentou o economista.

O FMI estima para o Brasil uma inflação média de 4,9% neste ano e de 4,4% no próximo. Sendo médias anuais, esses números não são diretamente comparáveis com as metas fixadas pelo governo brasileiro - 4,5% em cada um dos dois anos --, mas são compatíveis.

Com as expectativas de inflação "bem fundadas", "há espaço para se manter a redução gradual de juros iniciada em setembro de 2005".

Brasil e América Latina crescerão menos que a média mundial em 2006 e 2007, de acordo com o Panorama. A produção brasileira deverá expandir-se 3,5% em cada um dos dois anos. A média latino-americana ficará em 4,3% neste ano e 3,6% no próximo.

Para a economia global, as previsões são de 4,9% neste ano e 4,7% em 2007. No Panorama de setembro, o número estimado para 2006 ano era de 4,3%. O relatório atribui dois terços da diferença à revisão das expectivas de crescimento da China (7,9%), da Índia (7,3%) e da Rússia (6,0%). Dos chamados Brics (Brasil, Rússia, Índia e China), o país simbolizado pela letra B continua a perder terreno, mas este detalhe não é citado no Panorama.

OTIMISTAS E PESSIMISTAS O relatório apresenta um cenário imediato bastante favorável. Em 2006, o crescimento global deverá superar 4% pelo quarto ano consecutivo. Os Estados Unidos são ainda o principal motor da expansão global, com crescimento previsto de 3,4% em 2006 e 3,3% em 2007. China e Índia mantêm o dinamismo e as boas novidades são a retomada no Japão (2,8% neste ano e 2,1% no próximo) e sinais de reativação na Europa (2,0% e 1,9%).

Mas boa parte da fala de Raghuran Rajam foi marcada pelo temor de maiores pressões inflacionárias e de um ajuste desastrado nos mercados mundiais.

A economia global tem resistido às pressões causadas pelos preços do petróleo e de outras matérias-primas e a inflação baixa é em boa parte atribuída à concorrência generalizada. Mas os aumentos de cotações das matérias-primas acabarão sendo repassados aos preços finais, se a demanda mundial continuar elevada. Isso tornará mais difícil o combate à inflação pelos bancos centrais, advertiu Raghuran Rajam.

Juros mais altos para combater a inflação acabarão desviando capitais hoje destinados aos países em desenvolvimento, que terão de esperar preparados para uma fase de dinheiro menos abundante. "A extrema tolerância ao risco que temos visto nos mercados financeiros provavelmente se dissipará", segundo o economista.

Além disso, os desequilíbrios globais, ilustrados pelo déficit nas contas externas dos Estados Unidos, serão corrigidos em algum momento.

Falta saber se isso ocorrerá de forma suave ou abrupta. Os otimistas, observou Raghuran Rajam, continuam dizendo que não há motivo para preocupação, porque os americanos continuam conseguindo dinheiro para financiar suas contas.

"Mas os otimistas têm de acertar todos os dias, enquanto os pessimistas só têm de acertar uma vez", argumentou. "Como o ajuste é inevitável", seria bom, acrescentou, ir pensando num esquema multilateral para facilitar a eliminação dos desequilíbrios no médio prazo.

Os desequibrios internacionais, com grandes déficits externos em alguns países, já alimentam o protecionismo e criam riscos para a economia global. Mais barreiras representarão menos comércio e de crescimento, advertiu.