Título: Será difícil para Lula discutir Doha
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/05/2006, Economia & Negócios, p. B7

O objetivo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de tornar a 4º Cúpula União Européia-América Latina um palanque para cobrar uma atitude proativa da Europa na Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) foi enfraquecido pela imagem de intranqüilidade projetada sobre a América do Sul pelos seus companheiros Evo Morales, da Bolívia, e Hugo Chávez, da Venezuela.

A reunião de cúpula, dia 12 em Viena, será inevitavelmente contaminada pela decisão de Evo de nacionalizar o setor do gás em seu país, pela obscura influência de Chávez nesse processo e pelos sinais de enfraquecimento dos blocos regionais.

Apesar de o encontro ter sido organizado em torno de discussões sobre o combate à pobreza e a coesão social - dilemas latino-americanos -, a abordagem do episódio protagonizado por Evo e a reação tímida do governo brasileiro serão alvos das discussões. O interesse de multinacionais européias foram tão ameaçados quanto os investimentos do Brasil. As instalações de duas grandes empresas européias, a francesa Total e a espanhola Repsol-YPF, passaram pela ocupação militar no dia do anúncio da medida, assim como as da Petrobrás, e também serão transformadas em prestadoras de serviço.

O tema Bolívia deverá ser evitado na plenária de chefes de Estado. Isso dará a Lula alguma chance de fazer seu alerta sobre os entraves criados pela UE nas negociações sobre agricultura na OMC e os riscos de enterrarem a Rodada Doha e, com isso, o acordo que mais resultaria em benefícios para reduzir a pobreza no mundo em desenvolvimento. Até o fim da semana passada, não havia menção sobre o processo de nacionalização no rascunho da declaração final, prevista para o dia 12.

Mas a questão boliviana dominará os encontros bilaterais da UE, em particular a sua reunião reservada com o Mercosul para tratar da negociação do acordo birregional de livre comércio. "Há preocupação na Europa sobre a evolução do quadro sul-americano", afirmou o embaixador da UE no Brasil, o português João Pacheco.

Na sexta-feira, em Brasília, o ministro do Exterior da Alemanha, Franz-Walter Steinmeier, jogou luz sobre outras iniciativas preocupantes na América do Sul. Em relação ao Mercosul, Steinmeier apontou a ameaça do Uruguai de se retirar da união aduaneira, para negociar isoladamente acordos comerciais, e o ingresso da Venezuela no bloco, ainda em negociação.

Naquele dia, durante almoço no Itamaraty, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, repetiu a justificativa de que a América do Sul passa pelas "dores do crescimento" e insistiu que esses fatos são circunstanciais e não põem em risco o Mercosul nem o processo de integração sul-americano. O exemplo da construção da UE foi várias vezes repetido.

Para Amorim, o acordo birregional estaria mais próximo. Deverá receber um impulso político na reunião e, em seguida, outro empurrão numa terceira rodada negociadora nos próximos meses. Da reunião de sábado entre os presidentes dos países do Mercosul e a tróica da UE (o presidente da Comissão, Durão Barroso, e os primeiros-ministros da Finlândia e da Áustria), deverá sair apenas um sinal político de boa-vontade. Não haverá espaço para questões técnicas.

O Palácio do Planalto manteve silêncio sobre a presença de Lula em Viena durante pelo menos quatro meses, o que causou inquietação em Bruxelas. Sua ausência denotaria uma clara aversão do Brasil aos discursos de Bruxelas em favor da maior cooperação entre União Européia e América Latina, dados seus laços históricos, culturais e econômicos.

Partiu do próprio Lula a confirmação de sua presença. O encontro de Viena será uma oportunidade para o Brasil, como líder do G-20, cobrar a Europa pelo risco de fiasco da Rodada.