Título: Mais um corte
Autor: Celso Ming
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/04/2006, Economia & Negócios, p. B2

Porque o Copom é de fato conservador, também desta vez os juros caíram apenas 0,75 ponto porcentual. Mesmo assim, já estão nos 15,75% ao ano, seu nível mais baixo desde fevereiro de 2001. Não é nada, de setembro do ano passado para cá, caíram 4 pontos porcentuais, o que não é pouco.

Desta vez, ninguém pode argumentar que os juros ainda altos demais estão contendo o crescimento. Há razões para acreditar em que, nos primeiros três meses deste ano, o consumo varejista cresceu acima de 6% ao ano. A indústria já admite que a produção está avançando mais de 4% e as projeções sobre o avanço do PIB deste ano giram hoje entre 4% e 5%.

A inflação segue em baixa. Como comprova a tabela ao lado, os números mais recentes mostram que não há problemas graves nessa área. A evolução do IPCA, o medidor de preços do sistema de metas, ainda é a mais alta, está nos 5,32%, mas vai convergindo para a meta.

Mais importante ainda, os fazedores de preço parecem convencidos de que a inflação deste ano não ultrapassará esses 4,5%, a mosca da meta. O último relatório da Pesquisa Focus, que faz um levantamento semanal nas 100 instituições mais importantes do País (empresas, bancos, consultorias), aponta como projeção média para o ano uma inflação de 4,3%. Ou seja, o empresário não está disposto a remarcar mercadoria acima desse teto, o que lhe tiraria competitividade e fatia de mercado.

Se o corte de 0,75 ponto porcentual se repetir nas duas próximas reuniões do Copom, no final de junho, os juros básicos estarão em 14,25% e, então, se poderá dizer que os juros reais (descontada a inflação) terão caído para um dígito, marca que terá forte impacto psicológico e técnico.

Também não se pode desprezar a redução da diferença entre juros externos e internos. Em junho de 2005, quando os juros internos voavam nos 19,75% ao ano, os juros nos Estados Unidos estavam a 3,25% - diferença de 16,5 pontos porcentuais. Em meados de julho deste ano, essa diferença terá provavelmente caído para 9.25 pontos.

A partir desses números e do que se sabe que aconteceu na reunião de ontem, cabem três observações:

(1) Mistério. Na reunião do Copom de março, três entre os nove diretores do Copom haviam votado num corte de juros de 1% (em vez de 0,75%). Entenderam que a trajetória da inflação permitia mais ousadia do Banco Central. Desta vez, os fundamentos da economia melhoraram; o dólar caiu ainda mais no câmbio interno; o prêmio de risco mergulhou para a casa dos 220 pontos; as condições internacionais, que já eram boas, melhoraram ainda mais a partir do que se pode conferir pelo conteúdo da ata da última reunião do Fomc, o Copom do banco central americano; e o saldo comercial brasileiro deste ano (exportações menos importações) aponta para um superávit equivalente ao do ano passado (US$ 45 bilhões). Apesar dessa melhora, na reunião de ontem não houve dissidência.

(2) Ainda há quem afirme que o dólar está barato demais só porque os especuladores estão trazendo moeda estrangeira para trocá-la por reais e, assim, tirar proveito dos juros internos mais altos. A diferença entre juros internos e externos caiu de 16,5% para 11,0% ao ano e, no entanto, em vez de recuperar-se, o dólar continua em queda. Ainda é tempo para mudar o diagnóstico. Os fatores que mais contribuem para a baixa do dólar no câmbio interno são a melhora dos fundamentos da economia e o robusto superávit comercial.

(3) Os juros internos poderiam estar mais baixos. O fator que ainda os mantém lá em cima é o desequilíbrio fiscal (gastança do governo), que vem lá de trás e só tende a piorar. "Nomen est homo" ("O nome é o homem"), diziam os romanos. Infelizmente, a resistência do ministro Mantega ao assédio ao cofre parece ser o que o nome dele diz.