Título: Estoques reguladores de álcool
Autor: Mirian R. P. Bacchi
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/04/2006, Economia & Negócios, p. B2

A turbulência no mercado de álcool traz à discussão a necessidade de estoques reguladores para o mercado, visando a uma certa estabilidade de preços ao longo do ano-safra. Cálculos estatísticos com base nos preços dos últimos anos, de fato, confirmam essa necessidade.

Uma menor variabilidade do preço do álcool beneficiaria não só consumidores, que poderiam planejar melhor seus gastos, mas também os produtores desse combustível. Para estes, uma maior estabilidade de preços traria, entre outros benefícios, ganhos em relação à imagem, aspecto importante na consolidação do mercado.

Vale mencionar que a percepção da sociedade é assimétrica no que diz respeito aos movimentos de queda e elevação de preços. É bem verdade que uma queda de, por exemplo, 20% no preço do álcool demandaria um aumento de 25% (e não de 20%) para que esse preço se restabelecesse no nível original - isso ocorre porque a base para o cálculo porcentual diminui.

Mas não é só esse o motivo pelo qual os consumidores enxergam o movimento de queda e de alta de forma diferenciada. Quando o preço sobe, diferentemente de quando cai, o consumidor tem que "pôr a mão no bolso" e, nessa hora, ele sente mais.

Na Região Centro-Sul, o momento é de transição da entressafra da cana-de-açúcar para a safra. Nessa conjuntura, fazer uma análise do comportamento desses preços é interessante à medida que ela permite antever a variabilidade média ao longo do ano-safra, possibilitando fazer inferência sobre os níveis prováveis desses preços nos próximos meses, quando a safra avançar. O grande objetivo é começar a trabalhar agora, início precoce de colheita, uma estratégia que impeça a repetição do alvoroço que se tem presenciado desde dezembro.

A sazonalidade dos preços dos produtos agrícolas é decorrente da falta de ajustamento entre oferta e demanda - a oferta é concentrada em alguns meses, enquanto a demanda é esparsa ao longo do ano. A sazonalidade é bastante forte no caso de produtos perecíveis. No caso dos álcoois anidro e hidratado, mesmo sendo produtos armazenáveis, observam-se preços diferenciados ao longo dos meses, os menores são no período de colheita e de moagem da cana, quando aumenta a oferta.

Utilizando dados de março de 1999 a fevereiro de 2006, calcularam-se os índices sazonais do preço real do álcool anidro e hidratado. Como o comportamento sazonal desses preços é bastante semelhante, apresenta-se somente a evolução dos índices sazonais para o preço do álcool hidratado, podendo as conclusões serem estendidas ao preço do anidro.

Em média, o menor preço do álcool hidratado é observado nos meses de maio, junho e julho, e os maiores, em novembro, dezembro e janeiro. A diferença máxima, considerando valores médios para cada mês do ano-safra, é observada entre junho e dezembro, da ordem de 27%. Vale lembrar ser esse um porcentual médio e, embora alguns anos-safra sejam caracterizados por maior estabilidade de preço, variação de até 110% foi observada no período.

Uma análise dessa natureza envolve algum grau de incerteza quanto ao padrão sazonal observado, e a confiança na estimativa do índice de cada mês é tanto maior quanto menor é a dispersão dos preços naquele mês.

Em fevereiro, março e abril (entressafra) a variabilidade de preços é grande. Pode-se exemplificar citando que entre os valores utilizados para calcular o índice do mês de fevereiro estão os de R$ 1,06/litro em 2006 e R$ 0,42/litro em 2004 (sem impostos, na usina, expressos em valores reais de fevereiro de 2006). Conclui-se, assim, que os preços na entressafra são bastante imprevisíveis.

Essa variabilidade de preços ao longo dos meses do ano-safra justifica a adoção de políticas de estoques reguladores, quer por ações públicas, quer por ações privadas ou mistas. Há que se acrescentar também que pode haver variabilidade na produção de cana e nos preços médios dos produtos finais, entre os quais se encontra o álcool, entre anos consecutivos causada por problemas de ordem climática e fitossanitária. Nesse sentido, também políticas de estoques reguladores se fazem necessárias para amenizar tais movimentos. Para se ter noção da variabilidade de preços entre anos, apontamos os valores extremos de R$ 0,88/litro para o ano-safra 2000/2001 e o de R$ 0,59/litro (sem impostos, na usina) para o ano-safra 1999/2000 (valores reais de fevereiro de 2006).