Título: Mantega diz que vai bloquear gasto para garantir superávit de 4,25%
Autor: SUELY CALDAS, FERNANDO DANTAS e SONIA RACY
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/04/2006, Economia & Negócios, p. B1

Ministro afirma que governo vai intervir e contingenciar despesas do orçamento para evitar desequilíbrio fiscal

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse, em entrevista ao Estado, que o governo fará o contingenciamento de despesas que for necessário para atingir a meta de superávit fiscal primário (exclui juros) em 2006, de 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB). "Evidentemente, nós vamos ter que fazer um contingenciamento", disse Mantega, acrescentando que o corte de despesas será "aquilo que for necessário". Em 2003, o governo Lula fez um contingenciamento que implicou corte no orçamento de R$ 14 bilhões e funcionou como âncora para a recuperação da confiança do mercado e controle da inflação.

Mantega disse que no final de abril os analistas e participantes do mercado, que estão céticos quanto ao cumprimento da meta, já terão um fato concreto para aplacar suas dúvidas, porque o governo vai "entregar" a meta quadrimestral de 40% do total do superávit do ano. "Os mais céticos verão os sinais concretos", afirmou.

Se couber no cumprimento dessas metas, o ministro disse que metade do décimo terceiro de todos os funcionários públicos e aposentados pode ter o pagamento antecipado para julho.

O ministro deixou claro, porém, que não considera necessário dar sinais ao mercado de maior rigor fiscal do que o estipulado nas metas de superávit primário. "Não estou aqui para dar demonstração, não vou fazer uma execução orçamentária irregular, malfeita, só para dar sinais", afirmou, dizendo que a queda do superávit nos primeiros meses de 2006 deveu-se ao fato de ser um ano eleitoral, quando muitos tipos de despesas são proibidas no segundo semestre.

O ministro da Fazenda criticou a gestão orçamentária de 2005, último ano do seu antecessor, Antonio Palocci. Segundo Mantega, "a gestão orçamentária no ano passado poderia ter sido diferente - em vez de fazer um superávit primário de 4,8% do PIB, que economizou uns R$ 10 bilhões, deveríamos ter deixado menos restos a pagar para 2006". Na sua análise, estes restos a pagar contribuíram para reduzir o superávit primário no início de 2006, justamente o que está preocupando o mercado.

Ele disse ainda que "na questão fiscal, a diferença é que nós vamos cumprir apenas aquilo que foi combinado". Segundo o ministro, "talvez tenha havido um vício, um mau hábito, que acostumou mal os analistas, de trabalhar com gordura".

Mantega revelou que sua "prioridade absoluta" neste final de mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva será a reforma tributária. Na Previdência, segundo o ministro, o desafio para o próximo presidente é a inclusão das pessoas hoje excluídas do sistema.

A seguir, os principais pontos da entrevista, realizada em São Paulo, antes de Mantega embarcar para Washington, onde participa da reunião conjunta do Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial:

QUESTÃO FISCAL Não é verdade que a despesa está embicando para cima e a receita para baixo. Nossa previsão de receita está de acordo com o realizado. O que está subindo é a Previdência, e por isso está sendo feito um esforço na sua gestão. O cadastramento apenas começou e já economiza R$ 100 milhões por mês. A pressão por gastos sempre existiu. O importante é como o governo lida com as pressões e este governo lida de forma adequada. O mercado está simplesmente fazendo comparação com o ano passado, que foi mais confortável do ponto de vista orçamentário. Então eles dizem, "ah, em março do ano passado você tinha 6,5% (do PIB de superávit primário), e agora tem 4,38%. É verdade, mas como este é um ano eleitoral, quando chega 31 de junho tem uma série de gastos que você não pode fazer mais. Não é a mesma lógica.

CONTINGENCIAMENTO Evidentemente, nós vamos ter que fazer um contingenciamento. O corte será linear para todos os ministérios em despesas que podem ser adiadas e pontuais em casos que necessitem de análise mais cuidadosa. O Congresso adicionou R$ 19 bilhões, mas isto não quer dizer que vamos contingenciar tudo. O Congresso fez alguma retificação de receita. Como o orçamento foi previsto pelo governo em agosto do ano passado, houve mudanças na conjuntura e nas expectativas sobre a receita. Assim, podemos aceitar uma parte da retificação, mas não tudo.

COMPROMISSO A cada quadrimestre estaremos entregando a meta quadrimestral. E ela é conservadora porque exige nos primeiros quatro meses 40% da meta sendo cumprida. Nos próximos quatro meses, mais 40%. E 20% no final. Então, nos primeiros oito meses do governo, teremos cumprido 80% da meta, e eu vou entregar isso. Vamos entregar, agora em abril, 40% do superávit do governo federal.

CETICISMO DO MERCADO Os mais reticentes, os mais céticos estarão vendo os sinais concretos. Mas não estou aqui para dar demonstração. Não vou fazer uma execução orçamentária irregular, malfeita, só para dar sinais. Na questão fiscal, a diferença é que nós vamos cumprir apenas aquilo que foi combinado. T alvez tenha havido um vício, um mau hábito, que acostumou mal os analistas, de trabalhar com gordura. Desta vez não vamos trabalhar com gordura, porque a minha crença é que 4,25% é uma meta satisfatória, que, se continuar sendo cumprida, acompanhada da redução de juros, que virá com a inflação sob controle e o menor risco país, garante uma trajetória adequada de redução da relação dívida-PIB.

CRÍTICA A PALOCCI A gestão orçamentária ano passado poderia ter sido diferente. Em vez de fazer um superávit primário de 4,8% do PIB, que economizou uns R$ 10 bilhões, deveríamos ter deixado menos restos a pagar, fazendo no próprio ano passado esta execução que está sendo realizada no início de 2006. Então estaríamos com o superávit primário mais elevado (no início de 2006). Foram deixados restos a pagar de R$ 15 bilhões. Não se trata de falha do ministro Palocci, mas de um estilo de gestão. Não sei se foi proposital, ou se aconteceu porque houve uma receita extraordinária. Mas acho que preferia uma gestão mais regular. E seria absurdo imputar a mim esses 4,38% (do PIB - superávit primário em 12 meses até fevereiro) porque assumi em três semanas. Tem que imputar ao ministro anterior.

REFORMA DA PREVIDÊNCIA Existe um desafio para o próximo governo de criar condições para que as pessoas que hoje estão excluídas sejam incluídas no sistema de Previdência. Isso passa por um programa que facilite essa entrada, que olhe para quanto eles podem e devem pagar de modo a estimulá-los a pagar. Como o País agora está crescendo, abre-se a possibilidade de criar um regime especial de Previdência onde eles possam contribuir e ter garantia de aposentadoria. Mudar a idade de aposentadoria dos professores não está na minha mente. Os privilégios já foram retirados nas reformas que foram feitas.

REFORMA TRIBUTÁRIA Minha prioridade absoluta é a reforma tributária, que está, inclusive, tramitando no Congresso. Quando voltar de Washington vou conversar com os governadores. O que vai ser aprovado, ainda este ano, é a homogeneização do ICMS e o fim da guerra fiscal. O orçamento foi difícil passar no Congresso, porque poderia beneficiar o governo, a reforma tributária não. Por isso, será mais fácil ser aprovada. Vai beneficiar a classe produtiva.

PRÓXIMO MANDATO Não estou pensando num segundo mandato, mas em fechar com chave de ouro este mandato. O próximo governo, seja quem for o eleito, terá as condições mais favoráveis que já aconteceram no Brasil nos últimos cem anos para dar continuidade ao crescimento sustentado, com equilíbrio fiscal, controle da inflação, controle da dívida pública. Mesmo se for o Alckmin, ele terá estas condições mais favoráveis.

CÂMBIO Gostaria do câmbio mais desvalorizado, em outra posição, mas respeito as regras do câmbio flutuante, porque ele é eficaz, deu certo no Brasil. Na verdade, o governo nunca comprou tantas reservas como está fazendo agora, o mercado não é totalmente livre.

ABERTURA DA ECONOMIA Acho que a economia brasileira está bem integrada na globalização. A abertura já ocorreu. Agora, reduzir alíquotas de importação de forma unilateral sou contra, o pessoal está se descabelando em Doha (Rodada Doha de liberalização comercial) para conseguir reduzir tarifa dos outros, e a gente vai oferecer de graça?

CONGRESSO Para aprovar o orçamento na terça-feira, o governo não chegou a ceder para o senador Artur Virgílio (PSDB-AM), porque já estava nos planos da Petrobrás construir o gasoduto Coari-Manaus que ele queria. No caso de Sergipe, o BNDES já havia aprovado o empréstimo para construir a ponte. Mas o Tesouro detectou que Sergipe não estava em condições porque há três anos consecutivos os gastos com funcionalismo da Assembléia Legislativa ultrapassavam os limites. E o pleito do governador João Alves é de que façamos uma revisão. Nosso compromisso com ele foi reanalisar o caso e verificar se há uma saída, respeitando a Lei Fiscal. Mas só será feito dentro da lei.