Título: Greve ameaça fornecimento de gás
Autor: Agnaldo Brito
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/04/2006, Economia & Negócios, p. B6

'Paro cívico' em Santa Cruz aumenta pressão sobre governo para que construção de siderúrgica seja retomada

A situação política da Bolívia pode se agravar nos próximos dias. Uma paralisação geral de todo o Departamento de Santa Cruz, onde vivem mais de 1,3 milhão de pessoas, poderá fechar todas as estradas da região, interromper o fluxo de carga na ferrovia, parar aeroportos e até causar o corte do fluxo de gás natural para o Brasil. Por dia, a Petrobrás compra da Bolívia mais de 25 milhões de m3. Metade do consumo brasileiro de gás natural vem deste país.

Segundo o presidente do Comitê Cívico de Puerto Quijarro, Edgar Hurtado, o alinhamento de todo o Departamento de Santa Cruz ao movimento deflagrado anteontem na Região Sudeste do país, perto da fronteira do Brasil, exigindo benefícios sociais e políticos, poderá significar um duro golpe para o governo de Evo Morales, eleito há menos de seis meses com forte apoio popular. Ante o ambiente de conflito predominante, Hurtado disse que o gás natural, como produto estratégico, poderá servir à causa em disputa neste momento. "Gás é algo muito importante, estratégico. Se houver corte, ninguém dirá quando nem onde haverá a interrupção", afirmou. Ele disse que a interrupção poderá ocorrer se o movimento ganhar toda a região, como se prenuncia.

Havia ontem a possibilidade de o "paro cívico" (paralisação cívica) que fechou a fronteira com o Brasil, as estradas e a ferrovia ser suspenso até o dia 26. Este foi o prazo máximo dado pelos dirigentes do Departamento de Santa Cruz para que o governo atenda às reivindicações do território.

A proposta foi rejeitada. "Respeitamos a decisão do Comitê Santa Cruz, mas não vamos suspender o nosso movimento. A medida significaria um desgaste do movimento e desta luta cívica que todo o povo da região encarou", disse Hurtado.

O movimento social, que paralisou a província de Germán Busch - na qual estão os municípios de Puerto Suárez, Puerto Quijarro e El Carmen Rivero Torrez - , reafirmou ontem a disposição de manter e até ampliar a greve regional. Os três comitês cívicos informaram, ao lado da única passagem oficial entre Bolívia e Brasil, que não mudariam a estratégia de radicalizar a posição contra o governo federal, que classificam de insensível às causas locais e centralizador.

"Se o governo Evo não respeita a vontade regional, terá então o maior inimigo político. Não será um partido político, mas um povo que se chama Santa Cruz", discursou Edil Gericke, presidente do Comitê Cívico de Puerto Suárez, sobre um caminhão que interrompia o acesso à ponte pela qual é possível entrar no Brasil.

REIVINDICAÇÕES A carta do Departamento, que reúne as reivindicações da região, exige que o governo Evo Morales apresente imediatamente um plano de desenvolvimento regional e assegure o acesso a mais recursos para as áreas de educação e saúde, setores que consideram em situação muito precária. Além de questões que envolvem políticas de Estado, há reivindicações mais pontuais.

Os mais diretos são dois temas. Primeiro, a revisão da decisão que negou a licença ambiental para o grupo brasileiro EBX, que tem pronta em Puerto Quijarro uma siderúrgica para a produção de ferro-gusa. A unidade está fechada e corre o risco de ser abandonada em razão da intransigência do governo. O Grupo EBX, do empresário Eike Batista, investiu US$ 148 milhões para a produção de gusa. Em nota, a empresa disse que pode abandonar o empreendimento.

Os comitês cívicos também exigem que o governo conclua a licitação da jazida de Mutún, reserva de minério de ferro calculada em 40 bilhões de toneladas no subsolo da região que até agora "adormece", sem que seja usado para "promover o desenvolvimento da região", segundo os líderes. Eles alegam que a definição desta licitação poderia resultar num impulso econômico importante, com a geração de muitos empregos. "O povo da região clama por emprego e desenvolvimento. O governo não pode negar isso", disse Hurtado. A partir de hoje, população da Província de Germán Busch deverá ampliar a vigilância para que as empresas e instituições governamentais cumpram o "paro cívico".