Título: O álcool e a auto-suficiência
Autor: Celso Ming
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/04/2006, Economia & Negócios, p. B2

Hoje a plataforma P-50 da Petrobrás, com capacidade de produção de 180 mil barris diários de petróleo, começa a operar no campo de Albacora-Leste, na Bacia de Campos. É o início do período da auto-suficiência no abastecimento de petróleo.

Esta coluna já falou sobre algumas das conseqüências desse marco na edição do dia 11. Uma delas é a de que, dentro de quatro anos, sobrarão 550 mil barris diários de petróleo que serão exportados. O assunto de hoje é a contribuição do álcool para essa façanha.

O álcool combustível vai tendo importância crescente não só como substitutivo do MTBE que vai adicionado à gasolina como antidetonante, mas também como substituto ecologicamente correto de derivados de petróleo.

Do ponto de vista de sua participação na matriz energética brasileira, o álcool ainda tem pouca importância. Não pesa mais de 13,5% no total. Mas não se pode desprezar seu concurso na substituição da gasolina. E, na medida em que substituiu gasolina, o álcool concorreu para a obtenção da auto-suficiência do petróleo.

Os cálculos da consultoria Datagro mostram que, apenas em 2005, a utilização de álcool possibilitou a economia de 204,32 mil barris diários de gasolina equivalente. Entre 1976 - quando do lançamento do Proálcool - e início de 2006, o correspondente a 1,51 bilhão de barris de gasolina deixou de ser queimado. "Isso significa 12% das reservas comprovadas de gás e petróleo no Brasil", avalia Plínio Nastari, presidente da Datagro.

Em dinheiro vivo, foram poupados US$ 69,1 bilhões, calculados pelos preços correntes, ou seja, não atualizados. É quantia não desprezível.

Lançados há três anos, os carros flex fuel (que rodam com qualquer quantidade de gasolina ou álcool) foram os maiores impulsionadores dessa substituição. A frota de bicombustíveis alcança hoje 1,2 milhão de veículos. Em março, correspondiam a 77,6% das vendas. A maioria dos proprietários prefere usar álcool.

O consultor de Energia Isaías Macedo observa que, em 2005, a queima de álcool foi equivalente a 13,0% da energia usada para transportes no País - um aumento em relação aos 11,2% verificados em 2001, antes do lançamento dos veículos flex fuel. Macedo lembra que não é apenas o álcool que contribui para a auto-suficiência. O uso intensivo de bagaço de cana substitui a queima de óleo combustível.

Mas cuidado com o exagero: "O fator determinante para a obtenção da auto-suficiência de petróleo foi mesmo o aumento da extração de petróleo e não o álcool", observa Nastari.

A Petrobrás é a maior especialista do mundo na técnica da exploração de petróleo em águas profundas. Os investimentos vêm aumentando. Para este ano, serão R$ 38 bilhões, 48% acima dos R$ 25,7 bilhões do ano passado e mais do que o dobro do que foi investido há três anos (R$ 18,5 bilhões).

Novas plataformas de exploração têm sido colocadas em operação todos os anos, como a P-50, que começa a produzir hoje. Cerca de US$ 3,4 bilhões devem ser aplicados em mais quatro novas plataformas previstas para começarem suas operações até 2008.

O professor Antônio Maria Bonomi, do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), observa que o álcool foi, de fato, uma opção importante no fim da década de 70, quando o Brasil importava cerca de 85% do petróleo que consumia. Mas hoje sua influência é menor. "Sem o álcool a auto-suficiência não seria possível, mas é preciso mais." Ele lembra que o consumo nacional de óleo diesel é de cerca de 40 bilhões de litros por ano, enquanto o de gasolina está perto dos 20 bilhões de litros. "Se o diesel for substituído pelo biodiesel, aí sim a economia de petróleo para produção de derivados será significativa."

Quem sabe esteja aí mais um atalho no caminho da auto-suficiência.