Título: A mudança na política fiscal
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Fonte: O Estado de São Paulo, 21/04/2006, Notas e Informaçoes, p. A3

Não esperem do governo, este ano, um grande esforço de contenção de gastos. Intencional ou não, foi essa a mensagem do ministro da Fazenda, Guido Mantega, na entrevista ao Estado de ontem, na qual reiterou o compromisso de obter apenas o superávit primário fixado para este ano, 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB), nenhum centavo a mais.

Há, portanto, uma transformação na política fiscal, embora o ministro, o presidente da República e outros membros do governo insistam em falar de continuidade. A mudança é evidente, confirmada até pelas críticas mal disfarçadas a Palocci, contidas na entrevista. Em anos anteriores, o resultado proposto na mensagem de orçamento era apenas o mínimo desejável. Isso nunca foi declarado oficialmente, mas também nunca foi segredo.

A alteração nem sequer é de uma política de aperto orçamentário para uma orientação de mera prudência. Não houve aperto real nos últimos anos. O superávit primário ficou sempre acima do objetivo declarado, mas nem por isso o gasto público diminuiu de um ano para outro. Poderá continuar em expansão mesmo com metas fiscais suficientes para levar ao completo equilíbrio orçamentário dentro de cinco anos.

Se faltou investir mais, nos últimos anos, não foi por austeridade franciscana, mas pela combinação da rigidez orçamentária com a incompetência administrativa e política. O mesmo superávit primário seria exeqüível, sem sacrifício dos investimentos, se houvesse um ataque mais sério às deficiências da administração e aos excessivos gastos de custeio.

O cofre nunca foi totalmente escancarado, na gestão do ministro Antonio Palocci, mas seria um exagero falar de aperto financeiro. Na prática, a resistência do antecessor de Mantega às pressões por maiores despesas serviu apenas para impedir uma gastança desbragada, não para impor uma efetiva austeridade.

Segundo o ministro Mantega, é suficiente o superávit primário de 4,25% do PIB - o resultado sem a conta de juros. Não está claro se ele o considera necessário e suficiente ou maior que o necessário. A dúvida se justifica. Ele menciona o resultado fiscal não como um objetivo de governo, mas como objeto de uma combinação.

"Na questão fiscal", disse o ministro na entrevista, "a diferença é que nós vamos cumprir apenas aquilo que foi combinado." Mas governos sérios não perseguem metas apenas porque foram combinadas. Perseguem-nas porque as consideram importantes e o fazem, muitas vezes, contra a opinião de grupos influentes e até contra o sentimento popular. Mas o ministro da Fazenda fala em "cumprir apenas o que foi combinado", numa das mal disfarçadas críticas a Palocci.

Os analistas, segundo Mantega, foram acostumados, talvez por "um mau hábito", a "trabalhar com gordura". Deliberadamente ele não quis deixar claro se o mau hábito seria dos analistas ou de quem produzia superávits fiscais acima da meta. Mas só não entendeu quem não quis. E, além disso, é outro o ponto mais estranho e provavelmente mais importante: a palavra gordura, a partir de agora, designa a diferença entre o resultado efetivo e o combinado? A declaração revela uma perspectiva nova. Segundo o ministro, a gordura não está no excesso de gastos, mas no superávit primário acima da meta estabelecida.

Ele promete, no entanto, cumprir o combinado. Os céticos, segundo Mantega, verão em pouco tempo um resultado fiscal compatível com a trajetória programada. Pode ser. Mas o público tem motivos para só acreditar no resultado prometido quando a execução orçamentária estiver bem avançada e não houver tempo para um desvio significativo.

Segundo o ministro, sua prioridade absoluta neste ano será a aprovação final da reforma tributária. É um objetivo relevante, sem dúvida, embora o projeto em tramitação no Congresso passe longe da reforma necessária. Ao escolher essa prioridade, no entanto, o governo não deveria abandonar a busca de um ajuste fiscal mais profundo e mais eficiente para reduzir o peso da dívida pública. O novo ministro pode estar tranqüilo em relação às contas públicas deste ano e talvez dos próximos. Mas essa tranqüilidade não é compartilhada por quem compara proclamações de intenções com ações cotidianas das autoridades econômicas.