Título: Evo insiste em politizar as negociações
Autor: Paulo Moreira Leite
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/05/2006, Economia & Negócios, p. B3

Brasileiros e bolivianos iniciam hoje à tarde, em La Paz, uma negociação onde as partes não estão de acordo sequer sobre o tema em pauta. Para o governo brasileiro e a Petrobrás, o que se discute é o preço de uma mercadoria, o gás, fixado por um contrato que deve vigorar até 2019. Apoiado em cláusulas jurídicas e argumentos técnicos, a Petrobrás não gostaria de ceder um centavo aos bolivianos e há dois anos chegou até a discutir fórmulas para baixar o preço. Mas pode ser levada a fazer alguma concessão, "bem menor do que o governo de Evo Morales está querendo", admitia uma autoridade brasileira em La Paz, ontem.

Para o governo boliviano, gás é destino. A equipe de negociadores assume as discussões com a missão de elevar o preço do gás em 60%, conforme vontade expressa pelo presidente Evo Morales. Seu argumentos são políticos. Dizem que o preço do gás, mesmo sendo fruto de um contrato, tornou-se irrisório em comparação com outras fontes de energia. Alegam que a Petrobrás pode abrir mão de uma parte de seus lucros para cobrir a nova despesa, estimada em perto de US$ 360 milhões anuais por cada 1 dólar de aumento no preço.

Os bolivianos contam com um argumento que também é político: embora sustentem que nunca pensaram no assunto, se tudo der errado sempre existe a possibilidade covarde de promoverem a falta de gás em regiões estratégicas do Brasil, catástrofe cuja simples menção provoca horror em Brasília.

Evo Morales tem feito o possível para mostrar que seu governo marca uma era de valorização de princípios éticos na administração pública - e isso também vale para a negociação sobre o gás. Numa referência ao ambiente de promiscuidade que, no passado, marcou o convívio de delegações estrangeiras na negociação de contratos com o governo, o vice-presidente da República Alvaro Garcia, personagem número 2 do governo, abaixo apenas do próprio Evo Morales, fez chegar a equipe de negociadores a mensagem de que não queria "churrascos nem maletas".

A frase é referência ao trabalho de lobistas estrangeiros para seduzir autoridades bolivianas. Churrasco, em companhia de belas mulheres, é um recurso tradicional para fazer amizades e realizar conversas além de qualquer conveniência. Já as maletas são isso mesmo: pagamento de suborno.

SEM RESERVAS Na semana passada, ocorreu uma cena que dá uma dimensão desse comportamento, quando uma vice-presidente da YPFB, a estatal boliviana da área, perdeu o posto. Oficialmente, foi apenas um ato administrativo. Mas uma versão, em circulação entre profissionais de gás e petróleo de La Paz, diz que ela tinha um convívio exagerado com executivos de empresas privadas do setor, o que provocou comentários desagradáveis no governo.

Marcada para o início desta tarde, ninguém imagina que a reunião será encerrada com alguma decisão concreta. O programa do dia informa que haverá tempo para a fixação da pauta de negociação e a apresentação de algumas idéias gerais. A delegação brasileira, que deve chegar a La Paz momentos antes do encontro, nem fez reserva de hotel na cidade, porque pensa em tomar o avião de volta para o Rio de Janeiro no início da noite. De sua parte, o governo brasileiro tem interesse numa negociação rápida, que afaste qualquer possibilidade de falha no abastecimento de gás. Já os bolivianos querem uma negociação relativamente longa.

O calendário eleitoral do país marca para 2 de julho as eleições para a Assembléia Constituinte, onde Evo Morales gostaria de contar com uma maioria de 70% dos votos. Num país que vive num clima de euforia, o gás tornou-se uma bandeira eleitoral de grande serventia nos palanques.